A deputada eleita e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP) está na comitiva do presidente Lula na COP27 (Conferência do Clima da ONU que acontece agora no Egito), mas chegou bem antes dele. Desde a semana passada, ela faz encontros bilaterais e apresenta ideias para a política climática brasileira. Uma dessas propostas é a criação de uma autoridade climática nacional, nos moldes da autoridade monetária e também blindada contra interferências políticas. O órgão avaliaria riscos climáticos em cada setor e poderia ser o primeiro no mundo a dar transparência sobre como um país está seguindo suas metas no Acordo de Paris, as chamadas NDCs. Esses compromissos determinados pelos próprios países são a forma como cada um deles acredita que pode contribuir para o objetivo do Acordo, isto é, impedir que o mundo fique mais quente do que 2C, preferencialmente mais frio do que 1,5C. Atualmente o mundo já está 1,1C mais quente do que foi no século 19. À coluna Crise Climática, a ex-ministra esclareceu que esta proposta não seria uma Secretaria Especial de Clima vinculada à presidência - uma ideia que também foi sugerida ao governo de transição, mas que não é a visão de Marina. Ela acredita que um órgão dedicado a implementar a meta de Paris deve ter independência necessária inclusive para criticar o governo em caso de inação. Cínthia Leone - Como você imagina que este órgão comunicaria seus resultados? Seria algo periódico, como já acontece com as autoridades monetárias? Marina Silva - Primeiro, você precisa pensar no desafio enorme que está posto para a política ambiental brasileira. Tivemos uma desestruturação completa das instituições e dos recursos humanos e financeiros, e recuperar tudo isso é fundamental. Ter um ministério do Meio Ambiente forte, capaz de honrar as políticas que já deram certo, ter a questão do desmatamento no mais alto nível de prioridade no governo é fundamental. A autoridade climática é mais uma ferramenta, neste caso, de natureza técnica, para fazer este acompanhamento. Eu uso a metáfora das autoridades monetárias me referindo à inflação, ou de autoridades nucleares, no caso de risco de desastre, para ilustrar que este órgão também não pode estar submetido ao ministro ou ao presidente. A divulgação da taxa de inflação não pode estar condicionada à vontade do governo. Da mesma forma, esta Autoridade poderá dizer, por exemplo, como a política climática nacional está comprometida em função do não-cumprimento da meta climática de algum setor. Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente Você tem dito que não haveria nenhum problema se esta autoridade eventualmente expusesse algum setor ou o próprio governo por inação climática. Como isso seria acomodado politicamente no governo e nos setores da economia? Quando eu fui ministra, as coisas eram transparentes. Fui eu que criei o Sistema Deter (Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real) e fomos nós que estabelecemos que os dados seriam transparentes e acessíveis para a sociedade brasileira. Ninguém pode dizer que a taxa de inflação não é a taxa de inflação, ou que o índice de mortalidade infantil não é esse ou aquele. O IBGE não pode mascarar os dados, por exemplo, de pobreza da população preta. Lidar com transparência é isso, este órgão seria mais um, não vejo problema nenhum. Mas isso vai expor a inação climática de governos, de empresas e até de outros países, já que hoje ninguém pode dizer com certeza como cada um está cumprindo o que prometeu sob Paris.. Os outros países florestais não tinham um plano de controle do desmatamento, e o Brasil não deixou de criar um só porque os demais não o faziam. Hoje o Brasil tem condição de liderar um esforço solidário com Ásia, África e América Latina para que a gente possa construir juntos um modelo de controle de desmatamento, por exemplo. A lógica não é de constranger, mas de cooperar. Alguns vão liderar pelo exemplo em uma frente, outros vão liderar em outra. A Europa tem uma grande contribuição no avanço da discussão de clima, o Brasil deu outras contribuições, agora os EUA estão na agenda e querem contribuir também. O mundo tem que sair da lógica da competição e do puro e simples constrangimento para o acolhimento de novas ideias e até mesmo de reconhecer as nossas fragilidades. O Brasil reconhece que precisa de cooperação técnico-científica para colocar de pé a bioeconomia, estamos buscando recursos para fazer uma espécie de MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) da Amazônia, projeto do professor Carlos Nobre. Tive várias agendas com Alemanha, Reino Unido, instituições filantrópicas, com o Canadá, a Noruega - estamos buscando apoio para aquilo que sabemos que precisamos de suplementariedade. O mundo não precisa competir, a mudança do clima nos ensina isso. Na proposta que eu apresentei ao presidente Lula trato de novas políticas públicas, por exemplo, de um desenho de crédito para adaptação climática, já que os municípios não terão condição de fazer isso sozinhos. Será necessário complementar e cooperar para dar conta da transição que teremos que fazer para uma nova realidade. PUBLICIDADE | | |