A Conferência das Nações Unidas sobre Clima deste ano no Egito, a COP27, também poderia ser chamada de Congresso de Petróleo e Gás, já que a indústria de combustíveis fósseis trouxe sozinha a segunda maior delegação do evento: 636 representantes, 100 a mais - ou 25% acima - do que em 2021, de acordo com as contas da Global Witness. Isso supera o Brasil (570), segunda maior delegação oficial da COP, e também os representantes somados dos 10 países mais afetados pela crise climática. Ainda fora do holofotes, o lobby do agronegócio industrial também desfilou pelos corredores da COP27. Em jogo estava uma das agendas mais decisivas para o setor: a força-tarefa de Koronivia, que tentava trazer a agricultura para mitigar seu impacto para o clima - ela é responsável por boa parte das emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Os lobistas do agro provavelmente contribuíram para que a agenda de Koronivia apenas sobrevivesse ao evento. O relatório da iniciativa que durou cinco anos não traz avanços em termos de mitigação de impactos climáticos e posterga uma necessária transformação do setor. Da mesma forma, os representantes do petróleo e do gás, aliados aos países submissos a essas indústrias, frearam um texto final que avançasse na eliminação dos combustíveis fósseis, maiores causadores da mudança climática. O texto da COP27 é pior do que o texto da COP26, que ao menos mencionava a diminuição gradual dessas fontes. "A influência da indústria de combustíveis fósseis foi observada em todos os setores, e esta COP enfraqueceu as exigências para que os países assumam metas novas e mais ambiciosas. O texto não faz menção à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e pouca referência à ciência e à meta de 1,5 graus", disse a diplomata Laurence Tubiana, uma das principais articuladoras do Acordo de Paris e CEO da Fundação Europeia do Clima. "A Presidência egípcia produziu um texto que protege claramente os estados petroleiros e as indústrias de combustíveis fósseis." Laurence Tubiana, CEO da Fundação Europeia do Clima Uma das estratégias usadas pelos petroestados na COP27 foi negar a ciência básica que liga fontes de energia e as emissões que fazem o mundo aquecer. Arábia Saudita, Irã, Rússia e Emirados Árabes, por exemplo, rejeitaram qualquer menção a fontes de energia no texto final, alegando que o foco deveria estar nas emissões. A diplomacia russa chegou a defender que a "COP não trata de energia, mas sim de clima". O presidente dos Emirados, Maomé bin Zayed Al Nahyan, declarou que fornecerá petróleo e gás "enquanto o mundo estiver precisando", tudo isso ao mesmo tempo em que seu país apresenta uma nova meta de emissões zero até 2050. O país será o anfitrião da COP28, em 2023. A mesma incongruência foi usada pelo enviado saudita para o clima, Adel al-Jubeir, que disse que o país pretende bombear petróleo "e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões". Nas negociações, os diplomatas de seu país sabotaram o texto final com frases como "não devemos visar fontes de energia [...] devemos nos concentrar nas emissões" e "não devemos mencionar os combustíveis fósseis". Além de negar o óbvio, os lobistas da energia fóssil também mentiram. A Câmara de Energia da África, um grupo de pressão em favor do gás, disse que novos gasodutos e extrações são "necessários" para a prosperidade e o bem-estar do continente. Os ativistas contrários a esta política alertam que o gás é uma fonte cara de energia e que tanto o produto como o lucro da operação são sempre enviados diretamente aos países ricos, perpetuando a pobreza energética em muitos países africanos e acumulando impactos ambientais. "O texto [final] tinha que incorporar a voz dos africanos que têm chamado a atenção para o investimento em combustíveis fósseis que permanece bem acima dos investimentos em soluções climáticas, retardando assim o progresso na entrega da justiça climática", lamentou Wanjira Mathai, vice-presidente para a África do Instituto de Recursos Mundiais. Outra desinformação propagada pela indústria fóssil durante a COP27 é a de que a energia renovável é uma forma de neocolonialismo que busca inibir o progresso africano. O ataque deve se intensificar - com energia mais barata e livre de oscilações de mercados exteriores, as fontes renováveis são uma ameaça existencial ao futuro do petróleo e do gás. "A indústria de combustíveis fósseis e as elites em seu bolso se mobilizaram para assumir a COP27", avalia Catherine Abreu, diretora da ONG Destino Zero. "Este é o último ato de homens desesperados que primeiro negaram a ciência climática, depois atrasaram a política climática, e agora querem usurpar soluções climáticas reais com soluções falsas." Catherine Abreu, diretora da ONG Destino Zero PUBLICIDADE | | |