Um novo estudo publicado na revista Nature mostra que a extração de gás pelo método de fraturamento hidráulico - o fracking - gera abalos sísmicos não naturais (terremotos e microterremotos) em diferentes escalas, inclusive na etapa de pesquisa, antes da fase exploratória. O presidente Jair Bolsonaro criou este ano uma política para estimular o fracking em todo o país, uma técnica banida em vários países, tanto pelo risco sismológico, como pelo risco de contaminação irreversível do solo e de cursos d'água. Tremores de terra causados pelo fracking já se tornaram comuns, mas cada região depende de estudos específicos para que as comunidades possam buscar por reparação e proteção. Desde 2019, a ocorrência de terremotos em Sauzal Bonito, na província argentina de Neuquén, tornou-se frequente, o que coincide com os períodos em que a extração de hidrocarbonetos utilizando a técnica de fracking é realizada na região, também conhecida como Vaca Muerta. Desde então, cientistas argentinos vinham realizando estudos para estabelecer o elo entre os tremores e o uso da técnica para extrair gás. Os resultados não só foram capazes de demonstrar esta relação, como também identificaram dois processos de deformação da superfície do solo (subida ou afundamento de alguns centímetros em áreas que se estendem por alguns quilômetros quadrados após a ocorrência de sismos induzidos pelo fraturamento hidráulico. O trabalho foi feito nas duas maiores bacias hidrocarbônicas da Argentina: Vaca Muerta (não convencional) e San Jorge (convencional). Em ambos os casos, foram observados processos de sismicidade e deformação do solo. Estas regiões eram até pouco tempo consideradas de baixo risco sísmico. Seus habitantes nunca sentiram terremotos, e os instrumentos não mostram tremores para a zona nos registros históricos. Desde a chegada do fracking, registraram-se mais de 400 terremotos em Vaca Muerta em cinco anos, e no Golfo de San Jorge, um terremoto foi registrado, afetando uma das maiores populações da área. Em nenhum dos casos as autoridades tomaram medidas concretas. Os autores consideram que os resultados "tornam necessário rever o impacto em infraestruturas pré-existentes não concebidas para cenários sísmicos, tais como habitações, vias de comunicação ou mesmo grandes infraestruturas hidráulicas, tais como reservatórios". No Brasil há quatro grandes áreas de reservas de xisto (a rocha betuminosa de onde se extrai o gás a partir da fratura hidráulica), e a principal delas é a Bacia Sedimentar do Paraná. Ali as reservas estão principalmente no Mato Grosso Sul, Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de trechos em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. É nesta bacia geológica que estão também dois dos mais importantes aquíferos do país: o Guarani e o Serra Geral, que abastecem milhões de pessoas e centenas de plantações e indústrias nesses estados. As outras três bacias sedimentares com reservas significativas de xisto são: Recôncavo Baiano, Parnaíba (Maranhão e Piauí) e a Amazônica. Desde 2014, quando o fracking começou a ser impulsionado no exterior por investidores dos EUA, várias cidades brasileiras criaram leis para impedir o uso desta técnica, a maioria delas nos estados do Sul. O Paraná também proibiu a técnica em todo o seu território. Já nas bacias geológicas do Nordeste e do Norte, ainda há pouca mobilização para barrar este tipo de exploração. "A técnica do fraturamento hidráulico oferece uma série de riscos econômicos, sociais, ambientais e climáticos. Ela utiliza uma grande quantidade de água potável e quase mil produtos químicos, e sua contaminação hídrica e atmosférica leva a impactos mutagênicos, neurológicos e abortivos diversos em humanos e outros animais", afirma Juliano Araújo, diretor técnico do Instituto Arayara, que tenta impedir que o fracking se desenvolva no Brasil. "Os trabalhadores do fracking são, inclusive, os mais impactados em sua saúde em toda a cadeia da energia, o que faz com que os sindicatos dos setores de petróleo e gás estejam ao lado dos ambientalistas no ativismo contra esta técnica", diz o ambientalista. Araújo ressalta ainda que o metano obtido na extração é um dos maiores impulsionadores do aquecimento global que leva à mudança do clima já em curso, e o fracking inevitavelmente acarreta o vazamento de grandes volumes deste gás para a atmosfera. Isso faz do gás obtido por esta técnica uma das formas de energia mais sujas da atualidade. Colômbia, França, Alemanha, Espanha, Irlanda, Bulgária e Países Baixos são alguns dos países que baniram o fracking, uma lista que não para de crescer mesmo em meio à crise global de energia. Nos EUA, onde este tipo de extração de gás metano foi inventado, os estados de Nova York, Washington, Maryland e Vermont baniram a atividade, e várias cidades e comunidades rurais brigam na Justiça contra empresas do setor. No Reino Unido, uma tentativa de reverter a proibição nacional de fratura hidráulica está entre os fatores que levaram Liz Truss à renúncia após apenas 45 dias como primeira-ministra. |