As alterações climáticas causadas pelo homem tornaram a onda de calor recorde registrada no norte da Argentina e no Paraguai no início de dezembro cerca de 60 vezes mais provável. É o que informa um estudo de atribuição lançado agora por uma equipe internacional de cientistas climáticos do grupo World Weather Attribution. Desde meados de novembro, grande parte do norte da Argentina e países vizinhos sofreram temperaturas exageradamente elevadas, mesmo para o verão. No início de dezembro, esse quadro se agravou com uma onda de calor que elevou as temperaturas acima de 40°C em 24 locais de medição no norte argentino - quatro deles marcaram mais de 45°C. A estação de Rivadavia, localizada perto da tríplice fronteira com a Bolívia e o Paraguai, registrou 46°C de temperatura máxima em 7 de dezembro, fazendo da região a mais quente do mundo naquele dia. Durante a onda de calor, nove localidades argentinas registraram a sua temperatura máxima mais elevada desde pelo menos 1961. Para quantificar o efeito das alterações climáticas sobre as altas temperaturas no norte da Argentina e Paraguai, os cientistas analisaram dados meteorológicos e simulações de modelos de computador para comparar o clima como é hoje, após cerca de 1,2°C de aquecimento global desde finais do século 19, com o clima do passado, seguindo métodos revistos por pares. Os resultados mostraram que as alterações climáticas causadas pelo homem tornaram um evento como a onda de calor cerca de 60 vezes mais provável de acontecer e agora pode ser esperado cerca de uma vez a cada 20 anos, com uma probabilidade de 5% de acontecer todo ano. Sem os efeitos das emissões humanas de gases com efeito de estufa, teria sido um evento extremamente raro. Eles também descobriram que uma onda de calor como esta é agora cerca de 1,4°C mais quente por causa das alterações climáticas. Gabriel Vecchi, professor de geociências da Universidade de Princeton e um dos autores da pesquisa, se mostrou surpreso com a magnitude da onda de calor. "As temperaturas na Argentina e no Paraguai eram na realidade mais altas do que os modelos preveem e não temos a certeza do porquê disso. Uma possibilidade é que estas altas temperaturas estejam relacionadas com mudanças no uso do solo ou irrigação, que não são bem contabilizadas nas nossas simulações", explica o pesquisador. "Outra explicação é a variabilidade natural - as temperaturas na região e noutros locais estão a aumentar devido às alterações climáticas, mas este aumento nem sempre é uniforme e os valores podem oscilar em torno de um valor médio, o que significa que por vezes pode haver temperaturas extremamente elevadas para além do que os modelos estimam. "Uma terceira e mais assustadora possibilidade é que os nossos modelos estão de fato subestimando a taxa de alterações climáticas nesta área, que pode estar acontecendo mais rapidamente do que pensávamos." O estudo foi conduzido por dezoito investigadores do grupo World Weather Attribution, incluindo cientistas de universidades e agências meteorológicas da Argentina, Colômbia, Dinamarca, França, Holanda, Nova Zelândia, África do Sul, Suíça, Reino Unido e EUA. A região analisada pelo estudo tinha acabado de sofrer uma seca prolongada que começou em 2019 e se agravou desde então. Os autores do estudo afirmam que a seca e o calor reforçam-se mutuamente e exacerbam os impactos para a agricultura na região. Segundo o estudo, as colheitas deverão ser as piores em um total de sete anos, com grandes perdas econômicas para os argentinos e reflexos no exterior, já que o país é o maior exportador de trigo da América do Sul e um dos atores centrais do mercado mundial deste grão. Os cientistas da World Weather Attribution realizarão nos próximos meses um estudo específico e mais aprofundado sobre a seca nesta região. "Há uma preocupação crescente na Argentina e na América do Sul com as ondas de calor, que se tornaram mais frequentes e severas nas últimas décadas. Estes acontecimentos recentes são um claro exemplo disso", afirma Juan Rivera, cientista do Instituto Argentino de Investigação da Neve, Glaciologia e Ciências Ambientais (IANIGLA) e um dos autores da análise. "A menos que as emissões de carbono sejam reduzidas, as alterações climáticas continuarão a favorecer a ocorrência de temperaturas recordes no final da primavera e início do verão, numa altura do ano em que as pessoas não estão preparadas para lidar com o calor extremo", conclui Rivera. |