Cabo Verde e Portugal assinaram um acordo para que R$ 66 milhões (12 milhões de euros) de uma dívida externa de R$ 775 milhões (140 milhões de euros) sejam convertidos pelo governo cabo-verdiano em investimentos para adaptação à mudança climática. Os recursos serão alocados em um fundo destinado exclusivamente a projetos de energia renovável, proteção da biodiversidade, gerenciamento costeiro e gestão da água no país-ilha. Arranjos do tipo "débito por natureza", como este, são apontados como um caminho para reverter uma flagrante injustiça climática: enquanto deveriam ser compensados, os países mais afetados pelo aquecimento global estão, na prática, devendo aos países mais ricos e poluidores do mundo devido ao passado de colonização e expropriação econômica. Em entrevista à Agência Lusa, o primeiro-ministro cabo-verdiano Ulisses Correia e Silva afirmou que o acordo é um "exemplo". "Sempre que se realizam as COP [Conferências das Nações Unidas sobre Mudança Climática], a questão do financiamento climático tem estado sempre sobre a mesa. Nós estamos aqui a construir uma solução muito boa, porque é um investimento, um financiamento, para aumento da resiliência e do aumento da capacidade do país superar as situações de eventuais crises. Isso é muito mais forte no percurso do seu desenvolvimento", disse Silva. Além dos débitos com o Estado português, Cabo Verde ainda deve cerca de R$ 2,2 bilhões (400 milhões de euros) a bancos de Portugal. António Costa, primeiro-ministro português, disse que esse primeiro montante da dívida, com vencimentos programados para 2025, serão colocados no fundo de adaptação, mas que progressivamente "todo o montante de pagamentos da dívida" terminará lá. O país pequeno, seco e rochoso, como eternizado por Cesária Évora na canção Petit Pays, é um dos mais vulneráveis do mundo às mudanças climáticas. Suas ilhas podem submergir pelo aumento do nível do mar ou se tornarem inabitáveis pela extinção das fontes de água doce. A perda de biodiversidade em decorrência da acidificação do Atlântico já impacta a pesca e a segurança alimentar no arquipélago cabo-verdiano. Os países desenvolvidos têm falhado reiteradamente na obrigação de financiamento climático aos países em desenvolvimento. De acordo com pesquisas do ODI (Instituto de Desenvolvimento Ultramarino), Portugal é um dos países que em 2020 pagou a menor porcentagem de sua parcela justa. Ao Climate Home, pesquisadores da ODI questionam se Portugal vai tentar incluir essa troca de dívida como parte de seu compromisso de financiamento climático global. A organização "saúda calorosamente os esforços para oferecer alívio da dívida e - melhor ainda - perdão da dívida dos credores, particularmente de maneiras que ajudem a responder à crise climática", disse a porta-voz Sarah Colebrander ao site. "Mas uma maior transparência e especificidade sobre a escala e a natureza do apoio internacional à ação climática é essencial diante destas crises interligadas". A iniciativa recebeu ampla cobertura nos dois países, incluindo Público e Expresso das Ilhas. Seychelles, outro país-ilha africano, já foi beneficiado por uma troca de débitos por natureza, enquanto Suazilândia, Quênia, Paquistão, Colômbia e Argentina reivindicam arranjos semelhantes. O setor financeiro reagiu com desconfiança. A Bloomberg reportou críticas do banco britânico Barclays, que vê risco de greenwashing. Essa prática, também chamada de marketing verde, é um recurso muito usado por grandes empresas para maquiar seu impacto socioambiental e climático, e tem sido uma forte estratégia de comunicação dos bancos que financiam essas indústrias poluidoras. |