O vento e o sol produziram de forma recorde mais de um quinto (22%) da eletricidade da União Europeia no ano passado, superando pela primeira vez o gás (20%). É o que revela o relatório "Revisão de Eletricidade Europeia", lançado agora pela Ember, um dos think tanks mais respeitados do setor de energia e clima. As expectativas para o setor energético na Europa durante o inverno não eram boas. Cortar laços com a Rússia, seu maior fornecedor de gás, não foi uma tarefa trivial, sobretudo depois de um verão extremo que gerou a maior seca observada em 500 anos, com impactos para as usinas hidrelétricas e nucleares. Ativistas, analistas de mercado e estudiosos do setor temiam que esse cenário levasse a decisões econômica e climaticamente lamentáveis, como o ressurgimento do carvão. Em vez disso, os dados apresentados pela Ember mostram uma aceleração do declínio da geração a carvão e uma previsão surpreendente de queda histórica para o uso de gás já em 2023. A queda na geração das termelétricas a gás na UE este ano está ligada a dois fatores principais, segundo o relatório: - aumento na previsão de uso de energia eólica e solar pela indústria;
- a recuperação da capacidade hidráulica e nuclear da França.
Outro elemento que contribuirá para esse declínio é o preço, já que a Ember estima que a geração a gás deve se manter ainda muito cara —mais do que o carvão— até 2025. O carvão cairá também em 2023, mas menos do que o gás. Neste inverno, foram quatro meses consecutivos de queda, com a geração ficando 6% abaixo da média anual justamente nesse período crítico. As 26 unidades de carvão colocadas em prontidão de emergência só produziram 18% da capacidade média —19% na Alemanha, país que liderou o investimento nesse segmento. Como o bloco tinha importado 22 milhões de toneladas extras de carvão ao longo de 2022 e só usou um terço disso, é improvável que as importações de carvão continuem altas. Os analistas avaliam que isso levará os países europeus a retomarem a política de eliminação gradual do carvão, como antes da crise. Na outra ponta, as renováveis caminham para dominar o mercado. A energia do sol foi o maior destaque, com 20 países batendo recorde de geração de energia. Segundo a Ember, isso gerou uma economia de R$ 55 bilhões (10 bilhões de euros) em gastos com gás. A Alemanha lidera isolada o crescimento em solar e eólica, com a adição de 20 TWh. "A Europa tem evitado o pior da crise energética"Essa é a avaliação de Dave Jones, chefe do setor de análise de dados da Ember. "Os choques de 2022 causaram apenas uma pequena ondulação na energia do carvão e uma enorme onda de apoio às energias renováveis. Qualquer temor de uma recuperação do carvão está morto agora." "A transição de energia limpa da Europa emerge desta crise mais forte do que nunca. Não apenas os países europeus ainda estão comprometidos com a eliminação gradual do carvão, mas agora estão se esforçando para eliminar gradualmente o gás também. A Europa está se lançando em direção a uma economia limpa e eletrificada, e isto estará em plena exibição em 2023", acrescenta Jones. A expectativa de Moscou era a de que a dependência do gás, sobretudo para o aquecimento predial durante o inverno, levasse os europeus a pressionarem seus governos a abandonar o apoio à Ucrânia. A análise da Ember mostra um resultado oposto: a crise energética fez os cidadãos: - intensificarem a instalação de tetos solares;
- economizarem energia de maneira inédita.
A demanda por eletricidade caiu 7,9% nos últimos três meses de 2022 em comparação com 2021, chegando muito perto aos 9,6% de redução em 2020, em meio aos bloqueios da pandemia. Ironicamente, até os efeitos das mudanças climáticas deram alívio à União Europeia. Os dias foram invulgarmente amenos no inverno da Europa até aqui, com Varsóvia, na Polônia, registrando 18ºC nos primeiros dias de janeiro, e Bilbao, na Espanha, 25ºC. O pesquisador do Conselho Europeu de Relações Exteriores Julian Popov comemora os resultados. "Por trás da névoa da guerra energética russa, podemos ver a tendência de declínio do gás", diz Popov, que é ex-ministro do Meio Ambiente da Bulgária, país-sede da Conferência do Clima do ano que vem, a COP29. "A tendência de declínio do gás continuará, e o gás desempenhará cada vez mais o papel de combustível de último recurso até que seja totalmente deslocado por combustíveis livres de carbono e pela eficiência energética." "Estamos vendo uma aceleração notável no ritmo com que a energia renovável está sendo construída. Especialmente para a energia eólica offshore e a energia solar no telhado, os números são impressionantes", declarou Frans Timmermans, vice-presidente executivo do Acordo Verde Europeu. |