Fiquei besta ao final do GP do Bahrein. Esperava ver Mattia Binotto saltitando radiante com a primeira dobradinha de sua Ferrari desde 2019 e gritando "il gioco è cambiato!", para depois mandar uma banana para Toto Wolff e Christian Horner como fizera o personagem Marco Aurélio de "Vale tudo", na última cena da novela de Gilberto Braga de 1989 — a banana do ator Reginaldo Faria é uma das imagens clássicas da teledramaturgia brasileira. Mas que nada. Binotto é sujeito calmo e sereno, evita grandes arroubos afogueados nas vitórias, como também não é muito chegado numa depressão pós-derrota em corridas de Fórmula 1. Ele foi até meio sombrio ao falar sobre o triunfo de Charles Leclerc e o segundo lugar de Carlos Sainz na desértica noite barenita. "Eles vão melhorar. Nós sabemos que vão", disse com ar sorumbático se referindo à Red Bull e à Mercedes, que viveram um fim de semana bem esquisito na abertura do Mundial. Sim, vão melhorar. A história mostra isso e não estamos falando de duas equipes nanicas incapazes de reagir diante de situações adversas. Binotto e todos na Ferrari sabem que deitar sobre uma dobradinha na primeira corrida do ano é pouco prudente quando seus adversários colecionam títulos e vitórias há mais de uma década.Desde 2010, quando Sebastian Vettel ganhou o Mundial pela primeira vez pela Red Bull, a equipe das latinhas e a Mercedes acumulam 184 vitórias em 238 GPs — contando o deste domingo no Bahrein. Isso dá 77,3% de todas as provas disputadas na categoria. Nos títulos, é melhor nem começar a conversar. São todos, de Pilotos e Construtores. A Ferrari, mesmo, não é campeã desde 2007, quando ainda nem existia o Instagram e tic-toc era o suave ruído que faziam os ponteiros de um relógio. É para ficar animado? Sim. A Ferrari fez uma ótima pré-temporada e como seu carro nasceu bem, o time pôde adiantar etapas necessárias no pouco tempo que as equipes tiveram para encontrar problemas e buscar soluções. Foi a equipe que completou mais quilometragem nos testes em Barcelona e no Bahrein, não quebrou nem uma xícara de café espresso no motorhome e a macarronada servida todos os dias para seus mecânicos e funcionários veio sempre al dente com molho impecável. Enquanto isso, a Mercedes se debatia com o dilema dos "sidepods" — ter ou não ter, eis a questão. Veio com um carro gorducho na Espanha e apareceu com um modelo que parecia ter passado por uma lipo na segunda bateria de treinos antes da largada para a primeira corrida de 2022. Já a Red Bull fechou os treinos falando alto no cronômetro, mas saiu da prova de domingo sussurrando pelos cantos e se perguntando o que foi que aconteceu. Aconteceu que os carros de Verstappen e Sergio Pérez mostraram que não são lá muito confiáveis. A lista de defeitos que apresentaram, se colocada em ordem alfabética, ocupa boa parte de qualquer agenda de telefone. No A, alimentação de combustível. No B, breque (pode entrar em F de freios, também, mas achei legal começar com as primeiras letras). No C, consumo errático de pneus. No D, direção hidráulica (também poderia elencar o piripaque em questão em V de volante, mas no V prefiro colocar Verstappen, mesmo, com sua falta de educação pelo rádio ao se queixar de quase tudo durante a corrida). E por aí vai. Mas velocidade, há. A Red Bull andou em segundo e quarto com Max e Checo a corrida toda, não muito longe de Leclerc e Sainz, até as quebras nas últimas voltas da prova que resultaram em abandono duplo e zero ponto na tabela. E, sendo honesto, Horner teve a humildade necessária já na sexta-feira tarde da noite, quando disse depois dos primeiros treinos livres que a Ferrari era a equipe a ser batida no Bahrein. Ele viu que os vermelhinhos estavam bem na fita. Todo mundo viu. Os problemas que os dois pilotos rubro-taurinos tiveram no deserto de Sakhir são sérios, mas não insolúveis. Quando se descobre rápido o que se passa, fica mais fácil de resolver. É bomba de gasolina? Que se troque a bomba. O mecanismo do volante de Verstappen arrebentou quando jogaram o carro no chão num pit stop? Que se coloque o automóvel no asfalto com mais delicadeza, pois. O freio está ruim? Verifiquem pinças e pastilhas, meçam a temperatura dos discos, não é o fim do mundo. Na Mercedes, as coisas são mais complicadas. O carro salta feito um cabrito montês, a traseira joga para um lado e para o outro nas entradas e saídas de curva, nas retas um bom Passat com motor AP 2.0 bem acertadinho é capaz de passar sem asa móvel. O potencial existe, garante a equipe, só precisa saber onde está. Neste momento, receio que apenas na perseverança e no talento de seus pilotos, que com uma carroça um segundo por volta mais lenta que as adversárias conseguiram chegar em terceiro e quarto. Mas é a Mercedes. Os caras sabem o que fazem. Inventaram o automóvel, melhor não desprezar essa estrela de três pontas. E é por isso que Binotto preferiu comemorar com algum comedimento o lindo 1-2 de seus meninos. Talvez tenha tomado uma taça de Brunello di Montalcino antes de dormir — no Bahrein servem bebidas alcoólicas em todo lugar, Alá não manda ninguém para o inferno por isso —, mas sabe que a concorrência está babando depois da surra que tomou. No mais, quem tinha de encher a cara de felicidade depois do primeiro GP de 2002 era a turma da Haas e o pessoal da Alfa Romeo. Günther Steiner e Kevin Magnussen mereciam litros de espumante barato, daqueles de dar dor de cabeça no dia seguinte, e Bottas e Zhou podem passar a madrugada abraçados pelas ruas de Manama com uma garrafa de vodca na mão cantando "We are the champions". Foram eles, mais que Leclerc e Sainz, os grandes vencedores do domingo. | Gunther Steiner e a festa da Haas no GP do Bahrein | Imagem: Divulgação/Haas | PUBLICIDADE | | |