Assim que voltou à pista em Barcelona na segunda volta do GP da Espanha, depois de furar um pneu num toque com Kevin Magnussen e cair para a 19ª posição, Lewis Hamilton suspirou fundo e entrou no rádio da equipe. "Pessoal, tá o maior calor aqui, estou trinta segundos atrás de todo mundo, que tal a gente desistir e sair pra comer uma paella? Podemos tomar uma sangria, também, conheço um restaurante chamado Salamanca na Barceloneta que é ótimo e não é caro. Topam?" Claro, não foram bem essas as palavras, mas fiquemos com o sentido da sugestão. Na vida real, o inglês apenas perguntou se não era o caso de economizar aquele motor e dispensar o esforço inútil de se esgoelar por nada. Lembrou-se da corrida na Arábia Saudita, onde largou em 15º e terminou em décimo sem nem saber se aquela posição dava pontos no campeonato. Ouviu um rotundo "não" de seu engenheiro Peter Bonning, o "Bono", que fez umas contas rápidas e concluiu que ele conseguiria chegar em oitavo se dispensasse a paella e a sangria e ficasse na pista. "Na hora não entendi nada e achei que ele tinha sido um pouco otimista demais", contou o inglês depois da corrida. Ficou. Terminou em quinto. E seria quarto se, na penúltima volta, o time não pedisse a ele para aliviar o pé porque um vazamento de água poderia fazer o motor ferver e explodir num lindo fumacê. Mais à frente, seu companheiro George Russell terminaria a prova em terceiro lugar, seu segundo pódio no ano. Antes dele, a dupla da Red Bull, Max Verstappen e Sergio Pérez, já comemorava a segunda dobradinha da equipe no ano. A Ferrari, que começara a temporada arrebentando a boca do balão, amargava um abandono de Charles Leclerc e se conformava com a quarta posição de Carlos Sainz. Resultado que tirou o monegasco da liderança na classificação e o time, da ponta da tabela no Mundial de Construtores. Depois de um início de campeonato desastroso, a turma prateada finalmente sorriu. Temos um carro, pareciam dizer todos. Agora, vamos tratar de desenvolvê-lo. A Mercedes levou seis corridas para solucionar o problema crônico que afligiu Hamilton e Russell desde os testes de pré-temporada, em fevereiro. O tal "porpoising", que pode ser traduzido como "movimento de um golfinho quando nada alegremente contorcendo sua espinha dorsal". Resumindo, o carro bate muito o fundo no asfalto, perde pressão aerodinâmica, salta feito um cabrito, e quando recupera o "downforce", bate de novo no chão e volta a subir, num quicar interminável que deixa a lombar dos pilotos em pandarecos e impede que eles acelerem tudo nas retas. Foram longos meses de estudos, simulações e tentativas de resolver a parada, até que na sexta-feira os carros apareceram em Barcelona com um novo assoalho, cheio de recortes e ondulações, e de repente já não mais saltavam — e, resumindo tudo, a Mercedes voltou. Voltou para ganhar domingo em Mônaco e lutar para ser campeã? Ainda não. A segunda fase começa agora, com um razoável atraso em relação à concorrência: melhorar algo que, na prática, ainda não existia — um carro de corrida de verdade. Toto Wolff, chefe da Mercedes, falou muito mais do desempenho de Hamilton em Barcelona do que do pódio de Russell, que vem fazendo das tripas coração para manter alto o moral do time. É o único piloto que pontuou em todas as etapas do ano e, mais do que isso, chegou entre os cinco primeiros em todas elas. O que o coloca numa honestíssima quarta posição no campeonato com 74 pontos, contra 110 do agora líder Verstappen. Hamilton, em sexto, tem 46. Para Wolff, se não fosse o pneu furado no esfrega-esfrega com Magnussen na primeira volta, Lewis lutaria pela vitória com a Red Bull. Talvez seja um exagero. Russell, com a mesma estratégia de três paradas dos rivais, chegou em terceiro 32s927 atrás do holandês. Hamilton recebeu a bandeirada 54s534 depois de Max. Mesmo descontando o que perdeu com a parada nos boxes e a volta quase inteira de pneu furado, os tais 30 segundos atrás de todo mundo, ainda assim seria bem difícil bater roda lá na frente com os líderes. Mas é uma luz no fim do túnel, sem dúvida. Há meses que a Mercedes garante que seu carro magricelo e esquisito tem potencial, e só faltava encontrar a chavinha que faria dele um protagonista de novo. Afinal, não se pode desprezar o passado recente da equipe, que desde 2014 ganhou oito títulos mundiais de Construtores e sete de Pilotos. Será que errariam a mão tão feio assim agora, do nada? As respostas começaram a ser dadas em Barcelona. Encontraram a chavinha. É tarde para pensar numa briga direta por título. Já se foram seis corridas, a Red Bull está voando e, claro, não deitou sobre os louros das quatro vitórias de Verstappen no ano, achando que tudo está resolvido. Também vai melhorar seu carro, evoluir, crescer. Antes de pensar em ser campeã, a Mercedes precisa começar a lutar por pódios. Depois, reaprender o caminho das vitórias. Quando isso acontecer, a Inês de 2022 já terá sido velada e enterrada. Mas o campeonato é longo e não se resume em ser campeão. Ganhar corridas é objetivo permanente, ainda que a taça fique para depois — no caso, 2023. O alvo da Mercedes neste momento não é nem a Red Bull, e sim a Ferrari. Esta precisa juntar os cacos e compreender que não adianta nada ter um carro que se parece com uma onça feroz em classificação, uma Juma Marruá, e se transforma numa inofensiva capivara em corrida. Pelo que mostrou em Barcelona, e pela capacidade que tem de dar a volta por cima, é com a Mercedes, agora, que a Red Bull tem de se preocupar. PUBLICIDADE | | |