Se não ganhar o GP da Inglaterra domingo que vem, em Silverstone, Lewis Hamilton completará 11 provas sem subir ao degrau mais alto do pódio na Fórmula 1. E deixará o autódromo onde já venceu oito vezes ostentando sua mais duradoura seca de vitórias desde que estreou na categoria, em 2007. Em outras palavras: veremos o "pior Hamilton" em 15 anos, cortesia dos projetistas da Mercedes que, para 2022, conceberam o carro mais problemático da história da equipe. O heptacampeão mundial venceu o primeiro GP de sua carreira na sexta tentativa, em seu ano de estreia pela McLaren. Foi no Canadá, onde conquistou um sólido terceiro lugar no último dia 19, deixando Montreal com um raro — neste ano — sorriso no rosto. O carro melhorou, garantiu. "Estamos chegando", foram suas palavras literais. Saberemos daqui a alguns dias se melhorou mesmo, ou se tudo não passou de fogo de palha e excesso de otimismo. Desde aquela vitória no circuito canadense em junho de 2007, Lewis nunca passou mais de dez corridas em jejum. A primeira vez em que teve de amargar tanto tempo sem ouvir o hino de seu país na condição de vencedor aconteceu do GP do Brasil de 2008 até o da Alemanha de 2009. Repetiria a sequência mais duas vezes: de Brasil-2012 a Alemanha-2013 (na transição entre McLaren e Mercedes) e, depois, de Bélgica-2013 a Austrália-2014. A série atual começou em Abu Dhabi no ano passado — sua última vitória de 2021 aconteceu na prova anterior, na Arábia Saudita. | A primeira vitória de Hamilton, no GP do Canadá de 2007 | Imagem: Darren Heath/Getty Images |
Hamilton é um fenômeno das estatísticas que só encontra paralelos entre os grandes campeões da F-1 moderna, como Senna, Prost, Schumacher e Vettel. Tive o cuidado de levantar os maiores jejuns de cada um deles. É uma enxurrada de números — e peço perdão por ela. Mas quando esses dados são olhados com carinho, contextualizados, como se diz, permitem compreender por que pilotos tão bons ficaram tanto tempo sem ganhar. Comecemos, aleatoriamente, com Schumacher. O alemão, 91 vitórias no cartel, só foi vencer pela primeira vez na F-1 em seu 18º GP. Foi na Bélgica, em 1992. Ele estreou um ano antes no mesmo circuito pela Jordan. Na corrida seguinte, já estava na Benetton, onde conquistaria o bicampeonato em 1994 e 1995. Pelo time colorido, depois de ganhar em Spa, teria de esperar mais 17 corridas para vencer de novo. A série começou em Monza-1992 e só terminaria com a vitória no Estoril no ano seguinte. Na Ferrari, Schumacher ganhou mais cinco títulos consecutivos, de 2000 a 2004. E o maior período sem vitórias com os carros vermelhos foi de 13 corridas, entre os GPs da França de 2005 e da Austrália de 2006. Voltaria a ganhar em Ímola naquele ano, seu último em Maranello — ao final da temporada, anunciaria sua primeira aposentadoria. Explica-se a estiagem: em 2005, talvez cansada de ver Schumacher massacrando seus adversários, a FIA fez uma mudança drástica no regulamento, proibindo a troca de pneus nas corridas. Vencer na base da estratégia de pit stops era um de seus pontos fortes. A Ferrari sofreu com os pneus Bridgestone naquele ano e a guerra da borracha foi vencida pela Michelin com Fernando Alonso na Renault. Michael ganhou seu último GP na China, em 2006. Retomou a carreira em 2010 pela Mercedes, mas não conseguiu mais vencer nos três anos em que defendeu o time alemão. Depois da prova de Xangai, disputou mais 60 GPs. Pendurou o capacete de vez no Brasil em 2012 tendo sentido o gostinho do champanhe apenas mais uma vez, com um terceiro lugar no GP da Europa em Valência — pódio que, semana passada, completou exatos dez anos. Ayrton Senna, 41 vitórias no currículo, era outro que não gostava de ficar muito tempo sem vencer. A primeira vitória, em Portugal-1985 pela Lotus, veio no 16º GP de sua carreira — que começou em 1984 na pequena Toleman. Depois do triunfo debaixo de chuva no Estoril — no mesmo dia da morte de Tancredo Neves, 21 de abril de 1985 — ficaria dez corridas em jejum, até ganhar o GP da Bélgica daquele ano. Depois, iria encarar duas sequências idênticas de 12 provas sem vitórias. A primeira começou na França em 1986 e só terminaria em Mônaco em 1987. A segunda série começou na França, no mesmo ano, e foi até o GP de estreia pela McLaren, em 1988, no Brasil. Só ganharia a primeira pelo time que lhe daria três títulos mundiais em Ímola, na prova seguinte à de Jacarepaguá. Como se nota, mesmo na Lotus, que estava longe de viver seus melhores momentos, o brasileiro se virou. Ganhou seis corridas em intervalos não muito longos. E fez 16 poles em três temporadas. Mesmo quando a McLaren deixou de ser hegemônica na categoria, Ayrton deu seus pulinhos: oito vitórias em 1992 e 1993, temporadas amplamente dominadas pela Williams — que venceu nada menos do que 20 GPs naqueles dois anos, sendo campeã com Nigel Mansell e Alain Prost. | Senna campeão do GP da Europa em 1993 | Imagem: Paul-Henri Cahier/Getty Images |
Ah, Prost... Maior rival de Senna, 51 vitórias no lombo, tetracampeão mundial. Mais um que não curtia longos períodos sem escutar a Marselhesa com um troféu nas mãos. Estreou na Argentina pela McLaren em 1980, e só venceria o primeiro GP no ano seguinte vestindo as cores da equipe oficial da Renault com uma consagradora atuação em Paul Ricard, na França. Era seu 19º GP na F-1. Rompido o lacre, enfrentaria apenas duas sequências semelhantes sem vitórias, ambas de 16 corridas. A primeira começou nos EUA em 1982 e só terminou na França no ano seguinte, sempre pela Renault. A segunda teve início no famigerado GP do Japão de 1990 — em que sua Ferrari foi abalroada pela McLaren de Senna na largada — e acabaria apenas na África do Sul em 1993, sua primeira vitória pela Williams — depois de ficar um ano parado, em 1992. E faltou falar de Vettel. (Sei que já tem gente perguntando de Lauda, Fangio, Stewart, Piquet, Brabham, os outros que se encaixam no critério que escolhi para definir multicampeões — a saber, pelo menos três títulos mundiais. Aprendam: a gente precisa de alguma coisa para fechar um texto, um gran finale. Então, esperem.) Sebastian está há 52 corridas sem saber o que é ganhar. Sua última vitória aconteceu no longínquo mês de setembro de 2019, em Cingapura, quando ele orgulhosamente defendia a Ferrari. Hoje na Aston Martin, Vettel não é mais um protagonista à altura daquilo que já conseguiu na categoria. Tornou-se, isso sim, uma importante voz em defesa da diversidade e do meio ambiente. Figura essencial em qualquer esporte. Mas não briga mais por vitórias, num time pouco competitivo — e ele mesmo já se questiona sobre o futuro nas pistas. Aqueles que subestimam o talento e a trajetória do alemão vão adorar saber que seus intervalos entre vitórias são maiores do que todos os dos citados acima. Ele foi ganhar a primeira corrida só na 22ª tentativa (convenientemente, os "haters" de Vettel se "esquecem" que a vitória, em Monza-2008, foi pela Toro Rosso, ex-Minardi...), ficou 20 provas sem vencer da Austrália-2014 até romper o jejum na Malásia no ano seguinte, mais 26 numa série que começou em Suzuka no mesmo ano e só terminaria em Melbourne em 2017, e outras 22 numa sequência de Itália a Itália entre 2018 e 2019 — na prova seguinte, no circuito citadino de Marina Bay, ganharia pela última vez. Sou um feroz defensor de Vettel e me recuso a discutir com quem vive dizendo que ele "não é tudo isso". Se alguém vier com essa comparação de intervalos entre vitórias para diminuí-lo, sacarei de uma papeleta do bolso para brandir os seguintes dados: Terceiro maior vencedor da história (53), quarto em poles (57), terceiro em pódios (122), terceiro em presenças na primeira fila do grid (101), terceiro em GPs liderados (106), terceiro em voltas na liderança (3.499), quarto em vitórias em pistas diferentes (21), terceiro maior vencedor da Ferrari (14), terceiro em vitórias pela mesma equipe (38 na Red Bull), primeiro em vitórias no mesmo ano (13, empatado com Schumacher), primeiro em poles na mesma temporada (15, em 2011), primeiro em vitórias consecutivas (nove, em 2013), segundo em pódios num só campeonato (17, novamente empatado com Michael), mais jovem pole position (21 anos, dois meses e 11 dias na Itália/2008) e mais jovem campeão de todos os tempos (23 anos, quatro meses e 11 dias em 2010, o que fez dele também o mais jovem bi, tri e tetra). | Vettel é tetracampeão mundial. Ponto. | Imagem: Reprodução/Twitter |
Quem já fez tudo isso pode passar o tempo que quiser sem ganhar mais nada. Poucos, pouquíssimos pilotos na história espremeram tanto um carro dominante quanto Seb entre 2010 e 2013. E vejam bem: dominante não significa hegemônico. A Red Bull teve ótimos carros nesse período, mas os títulos de 2010 e 2012 não foram nada fáceis; Vettel foi buscá-los na marra, e seria bom que todos se lembrassem disso, também. Ah, o gran finale. Preciso citar Lauda, Fangio, Piquet, Brabham e Stewart. OK. Quatro deles foram tricampeões e um, Fangio, penta. Todos incríveis, maravilhosos, talentosíssimos, gigantescos e tudo mais que se queira deles dizer. Mas todos conviveram com vários períodos maiores do que dez corridas sem vencer, e por isso optei por não esquartejar suas estatísticas. Iria ficar cansativo. Já está, na verdade. Destaco apenas o argentino, lenda das lendas, para muitos o maior de todos os tempos, incluindo os tempos que ainda virão. O maior intervalo entre vitórias que o argentino viveu foi de nove corridas. Depois de ganhar na Espanha em 1951, só voltaria a pendurar uma coroa de louros no pescoço na Itália em 1953. Nossa, dois anos e nove corridas? Bem, "El Chueco" não correu em 1952. Depois de um gravíssimo acidente durante treinos em Monza, se arrebentou todo, passou 40 dias num hospital e ficou cinco meses com o pescoço e a coluna imobilizados. Já era campeão, um ídolo de seu país, respeitado no mundo todo, podia guardar a touquinha de couro e pegar o caminho de casa para passar o resto da vida tomando mate e olhando para o infinito dos pampas. Em vez disso, voltou às pistas em 1953 para ganhar mais quatro títulos. O último deles, em 1957, aos 46 anos de idade. PUBLICIDADE | | |