George Russell vem sendo preparado pela Mercedes há bastante tempo para assumir uma posição ingrata: sucessor de Lewis Hamilton, um piloto que, para muitos, é o melhor de todos os tempos; ao menos é aquele que ostenta os números mais robustos da F-1. Ser o novo Hamilton não é tarefa fácil, e por isso o time alemão escolheu a dedo aquele que em algum momento teria de receber cetro, coroa e trono. E esse momento está chegando. Russell fez seus primeiros testes com um carro da Mercedes em 2017, quando ainda corria na GP3 — uma espécie de "Série C" na escadinha que leva à F-1. Tinha 19 anos e foi campeão da categoria naquela temporada com quatro vitórias, sete pódios, quatro poles e cinco voltas mais rápidas no campeonato. Com o carro prateado foram 916 km em dois dias de testes coletivos no circuito de Hungaroring, perto de Budapeste. Observado com atenção pelos engenheiros e olheiros da fábrica, acabou assinando um contrato com a equipe. Logo depois, foi escalado para dois treinos livres em finais de semana de GP naquele mesmo ano, no Brasil em Abu Dhabi. A equipe escolhida foi a Force India (hoje Aston Martin), que já àquela altura usava motores da Mercedes. Sim, é isso mesmo: Russell teve sua primeira experiência num fim de semana de GP em Interlagos. Onde, neste domingo, ganhou sua primeira corrida na categoria — a vitória de sábado na Sprint, a prova curta, não vale para as estatísticas; mas falaremos disso depois. Já na Fórmula 2, em 2018, George foi campeão de novo. A campanha teve sete vitórias, 11 pódios, cinco poles e cinco voltas mais rápidas. É o cara, disse Toto Wolff, chefe da Mercedes, sabendo que Hamilton não era eterno. Para ganhar quilometragem, os alemães colocaram-no então num carro da Force India em Barcelona, no seu próprio por mais dois dias na Hungria e na Williams em Abu Dhabi, novamente dois dias. Total: 1.834 km treinando, aprendendo, apurando, conhecendo as coisas. Estava pronto para a F-1. Sempre se valendo da prerrogativa de indicar pilotos às equipes para as quais fornecia motores, a Mercedes telefonou para Frank Williams e pediu: bota o menino aí para correr. E, assim, Russell estreou na categoria para valer em 2019 pela Williams, capenga em desempenho, mas rica em história. Pode-se dizer que George comeu o pão que o diabo amassou em três temporadas no time inglês, andando o tempo todo atrás, lutando por migalhas e glórias efêmeras. Nesse período, teve uma chance de correr pela Mercedes no GP de Sakhir de 2020, quando Hamilton caiu de cama com covid. Largou em segundo, deu um calor desgraçado em Valtteri Bottas, o outro piloto do time, e só não venceu porque a equipe fez bobagem num pit stop. Terminou em nono, triste de dar dó — porque sabia que poderia ter ganhado a corrida logo na primeira oportunidade que teve na vida com um carro competitivo. É o cara, disse Toto Wolff de novo. No ano passado, Russell conseguiu seu primeiro pódio ao classificar a Williams em segundo para o grid do GP da Bélgica, quase um milagre. Como a prova, na prática, não aconteceu por causa da chuva, o resultado final foi o mesmo das posições de largada. Levou um troféu improvável para casa. Certeza que é o cara, repetiu Toto Wolff. Russell, finalmente, ascendeu à condição de titular da Mercedes neste ano. Desde a segunda etapa da temporada está à frente de Hamilton na classificação. Subiu ao pódio oito vezes e neste domingo em São Paulo, ufa!, ganhou pela primeira vez um GP. No sábado, vencera a Sprint, mini corrida de meia hora que formou o grid da prova principal. Não foi uma vitória qualquer. Começou a construí-la ao converter o triunfo da véspera numa pole-position que sustentou na largada e durante a prova inteira, até que um safety-car no fim colocou atrás dele ninguém menos do que Hamilton, tão sedento por uma primeira colocação em 2022 quanto ele. Lewis nunca deixou de ganhar pelo menos uma corrida por ano desde 2007, quando estreou na F-1 — terá apenas mais uma chance, domingo que vem em Abu Dhabi. Faltavam poucas voltas para o fim da prova de Interlagos e o público nas arquibancadas tinha uma preferência clara: Hamilton, um brasileiro. George não lhe deu nenhuma chance. Antes da relargada, educado, perguntou pelo rádio à equipe quais eram "as regras" para aquele desfecho do GP de São Paulo com um heptacampeão crescendo em seu retrovisor. "Respeitem-se", disse seu engenheiro. Russell respeitou integralmente seu passado, sua trajetória, sua luta para chegar onde chegou. Hamilton fez o mesmo. Não que não tenha tentado ganhar — se desse, ganharia sim. Mas percebeu que o companheiro acelerou com tamanha fome naquelas voltas finais que qualquer ataque seria inútil. Lewis viu que, à sua frente, havia alguém muito parecido com ele. Assim, Interlagos viveu mais um domingo inesquecível. Dizem que essas corridas, depois que o campeonato está decidido, não valem nada. Mas as lágrimas que o jovem George deixou correr à vontade por suas bochechas rosadas valem mais que tudo. PUBLICIDADE | | |