Senhoras e senhores líderes do G7, Ao viajar por algumas das principais capitais europeias nessas últimas semanas, reparei como são várias as janelas de apartamentos, de empresas ou de padarias que estendem, orgulhosamente, a bandeira amarela e azul da Ucrânia. Um gesto simples e poderoso de solidariedade a um povo que sofre hoje uma invasão e, acima de tudo, a destruição de seus sonhos e suas vidas. Praticamente um desastre humanitário e 7 milhões de refugiados. Também vejo como os recursos chegam de forma importante para que a ONU possa fazer seu trabalho de assistência e como, em vilarejos aqui ao lado de minha casa em Genebra, famílias se organizam para cuidar dos refugiados que, mais de sete meses depois, continuam sem uma perspectiva de retornar para casa. Mas outro dia, numa conversa com uma senhora da região que havia aberto sua casa para uma família de refugiados, ela se aproveitou da confiança que uma taça de café com açúcar e bolo oferecem para fazer uma confissão: ela só estava abrindo sua residência pela primeira vez por serem refugiados "como nós". Eu resolvi me passar por desentendido. Como nós? Como assim? E ela sussurrou Brancos. Enquanto o silêncio ecoava por sua casa diante daquele grito repleto de xenofobia e racismo, consolidava-se em meu pensamento a constatação de que não se chora pelas vítimas de todas as partes do mundo da mesma forma. Em plena crise humanitária, o Haiti não parece despertar o interesse nem da imprensa, de governos, da comunidade internacional e nem da América Latina. Ali, as vítimas são todas negras. Certamente pesa o fato de a Ucrânia estar posicionada estrategicamente entre a Otan e a Rússia. Certamente pesa o fato de que o que está em jogo não é a Ucrânia. Mas a defesa e segurança da Europa. Mas, senhores líderes, quando se ignora uma crise que afeta milhões de pessoas apenas por eles não terem a mesma relevância geopolítica, o comportamento diz muito mais sobre os líderes internacionais que sobre a própria existência daquele povo impactado. Nesta semana, os senhores devem ter recebido uma carta de 12 páginas da parte do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. Nela, ele alertava para o colapso de um país e a necessidade de um socorro internacional, inclusive com tropas. Ruas, portos e locais estratégicos hoje foram tomados por gangues, que lutam pelo controle do país. Os dados são dramáticos. Um número recorde de 4,7 milhões de haitianos vive a fome aguda. Isso representa quase metade da população local. A situação de emergência afeta 1,8 milhão de pessoas. Pela primeira vez, 19 mil cidadãos foram incluídos na "fase catastrófica". Sinceramente, qualquer uma das três etapas seriam crimes contra a humanidade num cenário de justiça. O preço da gasolina dobrou e a inflação empurra milhões de pessoas para a pobreza, enquanto o vácuo político no país suspende qualquer certeza. Mas qual foi minha surpresa quando, ao fuçar nos dados de contribuições internacionais para programas humanitários, descobri que o Haiti recebeu menos de um terço de todo o dinheiro que a ONU solicitava para sair ao socorro da população em 2022. No total, a entidade solicitava US$ 373 milhões para sair ao socorro dos haitianos. Só os americanos destinaram em armas para a Ucrânia em seis meses mais de 40 vezes o que o Haiti precisa. Prezados senhores e senhoras, O Haiti é o espelho de suas hipocrisias. Sem apoio, sem recursos e sem um plano, essas pessoas viverão mais um capítulo de um inferno no qual se transformou o Haiti. Os mais sortudos conseguirão escapar e passarão anos perambulando pelo continente latino-americano, como cidadãos de terceira classe. A seletividade na tarefa de salvar vidas é imoral. A seletividade mata. Saudações democráticas, Jamil PUBLICIDADE | | |