Senhor presidente Xi Jingping, Percorri seu país nesta semana e não tive como não me surpreender pela explosão de desenvolvimento e riqueza de uma nação que já deixou claro que quer ser protagonista do século 21. O mundo precisa de outros polos de poder, de referências e de filosofias de vida. Vocês acabam de se abrir ao mundo, depois de muito tempo, e posso dizer do privilégio que tive como jornalista de ter feito parte da primeira leva de estrangeiros voltando a circular pelo país. A gentileza dos chineses é ímpar. No interior, depois de um bom tempo tentando dizer que eu queria arroz com legumes, a dona do restaurante local veio me dar uma bronca porque eu não estava comendo bem. Como me recusei a aceitar o banquete que me oferecia, ela decidiu que não cobraria um centavo sequer pelo meu frugal jantar. Mas não houve como escapar da estranha sensação de ser observado o tempo todo. As câmeras estão em todos os lados. Nos faróis, nas estações de trem, nos centros comerciais, nas ruas, nos estacionamentos, nas entradas de restaurantes, nas lojas, nos hotéis. Essas, claro, as que vemos. Andando por Pequim outro dia, notei como num só poste quatro câmeras foram colocadas. Confesso que pensei: estão todas funcionando? Quem está do outro lado? Para que servem exatamente? Li que existem mais de 700 milhões de câmeras espalhadas pelo mundo. 54% estariam na China. Os mais otimistas garantem: isso faz com que a segurança seja plena. Será? Contra quem? Em outra cidade, justamente quando fui cruzar a rua e me deparei com mais uma câmera, me veio à mente a frase: "Ele é visto. Mas não vê. Ele é o objeto de informação. Nunca um sujeito na comunicação". Ao tratar da origem da cadeia, da situação do detento e da ideia do panóptico, o filósofo Michel Foucault antecipou o debate sobre a sociedade moderna do monitoramento e vigilância. O conceito do panóptico havia sido desenvolvido no século 18 por Jeremy Bentham, e ampliado por Foucault ao tentar entender a disciplina. Tratava-se de um edifício redondo, com uma torre no centro e celas ao redor. Em cada uma delas, o prisioneiro era constantemente vigiado pela torre central, sem jamais saber quando haveria alguém olhando para ele. Em 2023, o panóptico se transferiu para as ruas chinesas. Não existe uma torre. No seu lugar, um impressionante sistema de monitoramento de massa. Todos estão sendo vigiados e sem saber quando os olhos da torre estarão direcionados a eles. As câmeras são apenas parte do sistema de vigilância de Estado, estabelecidos por vocês. Vi como todos são escaneados ao comprar uma passagem de trem. Como são escaneados para entrar no trem. São escaneados para sair da estação. Isso, claro, sem contar com o monitoramento dos celulares, por onde a vida cotidiana passa, assim como os pagamentos e localização. Vocês sabem onde estamos o tempo todo? Para que? O arquivo sobre 1,4 bilhão de pessoas ficará com quem? As informações coletadas sobre mim serão destruídas? Eu não tenho nada a dever. Mas o fato de eu ter vindo ao seu país justifica que eu tenha transferido minhas informações a vocês? Eu e o senhor sabemos que, até hoje, aquelas imagens simbólicas da fila de tanques desafiados por um homem na Praça de Tiananmen são proibidas na China. Trinta anos depois elas continuam sendo uma ameaça? Percorrendo as ruas, as marcas de luxo como Ferrari, Cartier, Tiffany e Steinway estampadas pelas vitrines transparentes dão a sensação de liberdade. O fim da fome e a erradicação da pobreza extrema também. Sem dúvida, duas grandes conquistas. Mas insisto na pergunta: estaríamos diante de um panóptico chinês? Saudações democráticas, Jamil PUBLICIDADE | | |