Há mais de 60 anos, quando o sistema interamericano de direitos humanos foi criado, seus idealizadores tinham como meta garantir que, num continente repleto de desafios, injustiças e pobreza, um arcabouço de regras orientasse para o avanço dos direitos humanos. Inovador e ousado, o sistema criou uma Corte, em São José, e estabeleceu as bases da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão que teve uma participação fundamental na luta contra as ditaduras do Hemisfério. Hoje, esse sistema está ameaçado. Trabalhando a partir de Washington e de capitais pelo continente, movimentos de extrema direita conseguiram infiltrar agentes e mesmo comissários, corroendo a noção de direitos humanos, sequestrando conceitos como a liberdade de expressão e abalando as garantias para minorias. Mas a histórica Comissão Interamericana está agora à beira de um terremoto ainda maior. Hoje, dos sete comissários, três são considerados como ultraconservadores. Mas, em 2025, eles poderão ser maioria, pela primeira vez. Uma votação em meados do ano vai escolher os nomes para ocupar três cargos, e governos como o de Javier Milei, El Salvador, Peru, Equador e outros se mobilizam para inverter os números. A aposta desses governos é a de conseguir que pelo menos dois dos três postos colocados em votação sejam ocupados por ultraconservadores. Esse bloco ainda vai contar um apoio fundamental: o dos EUA, que representam 60% do orçamento da OEA e que financiam parte do funcionamento do órgão regional. Se isso ocorrer e a composição for alterada para incluir quatro membros ultraconservadores ou de extrema direita, a Comissão Interamericana será formada, pela primeira vez, por uma maioria que combate a noção histórica de avanços em direitos humanos. O impacto para todo o continente seria devastador. É a partir da Comissão Interamericana que recomendações e decisões são tomadas sobre violações. É a partir da Comissão que ativistas, opositores e grupos reprimidos conseguem ser escutados. É também a partir de relatórios da Comissão que consensos e medidas são orquestradas no Congresso americano para colocar pressão sobre um regime. Um sinal claro da força do movimento ultraconservador foi enviado em junho quando, na eleição para escolher um novo juiz para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o peruano Alberto Borea foi eleito com um número elevado de votos. A eleição assustou a ala mais progressista. Borea declarou sua oposição ao casamento igualitário e disse que acredita que a proteção internacional desses direitos deve ser adaptada ao nível de maturidade de cada sociedade. Ou seja, que não deve haver uma orientação por parte do sistema interamericano. A extrema direita, ao contrário do que muitos esperavam, não quer abandonar as organizações internacionais. Apesar de acusar o sistema "globalista" pelos males atuais da sociedade, o que o movimento tenta é controlar também a pauta de direitos humanos. A estratégia é clara: tomar de assalto os órgãos e, uma vez formando maioria, redefinir a própria agenda. Construir um novo mundo a partir de sua visão é a rota traçada pela extrema direita. E, nesse caminho, sequestrar instituições históricas dos direitos humanos é parte estratégica. PUBLICIDADE | | |