A cada dia aparece um diferente. Abel, Paulo, Mohamed, Medina, Vojvoda, Morinigo e está a caminho Vitor Pereira. Tem também os que se foram faz pouco tempo: Crespo, Rueda, Ramirez, Aguirre, Bauza, Florentin, Osório, Ramón Diaz, Oliveira, Dabove, Sá Pinto, Oliveira, Holan, Jesualdo e o badalado Jesus. O fenômeno não é recente. Vem de longe, como eu, que estreio hoje aqui a newsletter. Já teve técnico paraguaio (destaque para o 'El Brujo' Fleitas Solich, tricampeão pelo Flamengo 53/54/55); argentino (muitos, como o lendário 'El Bandoneón' Filpo Nuñes, da Academia palmeirense); chileno; colombiano; espanhol; uruguaio (como Ondino Vieira, comandante do Expresso da Vitória e criador da faixa diagonal na camisa do Vasco); venezuelano, italiano (quando era Palestra e não Palmeiras), português (bem antes de Jorge Jesus, Paulo Sousa e Abel Ferreira), sérvio, alemão, inglês. E até um Marechal Chinês, como o gozador Gentil Cardoso, famoso técnico negro, que inventou a expressão 'vai dar zebra', se autointitulava. Em tempo: Dorival Knippel, apelidado Yustrich, homenzarrão de quase dois metros que dirigiu Flamengo, Vasco, Atlético-MG, Corinthians, Cruzeiro... e foi goleiro do Flamengo nos anos 1940, não era russo nem polonês. Nasceu em Corumbá, Mato Grosso do Sul. E Otto Glória, técnico do Vasco, América-RJ, Portuguesa de Desportos, Santos e Grêmio, que fez sucesso em Portugal comandando Benfica, Porto, Belenenses, Sporting, e levou a seleção portuguesa ao terceiro lugar na Copa de 1966, era carioca do brejo e não português. É dele a melhor definição para um técnico de futebol: "Quando vence é bestial, quando perde é uma besta." Meu interesse é pelos húngaros. Foram poucos os que vieram da terra do magistral Ferenc Puskas, 'O Major Galopante': Izidor ou Dori Kürschner tentou implantar o WM (dois zagueiros, três médios e cinco atacantes) no Flamengo, de Fausto, 'A Maravilha Negra', e Leônidas da Silva, 'O Diamante Negro', no final dos anos 1930, mas, incompreendido, foi mandado embora porque não impediu o tricampeonato do Fluminense, de Tim, Romeu e Hércules. Bella Gutmann, que trouxe Mestre Ziza já com 37 anos para ser o cérebro do time, e conquistou o título de 1957 com o célebre São Paulo de Poy, De Sordi e Mauro; Dino Sani, Vitor e Riberto: Maurinho, Amauri, Gino, Zizinho e Canhoteiro, foi professor de dança antes de virar técnico. Nicolas Ladanyi, campeão com o Botafogo em 1930, 32 e 33 usando métodos de psicanálise (dizia que tivera aulas com Sigmund Freud), época em que o campeonato carioca era disputado por duas ligas. Foi depois diretor artístico do Cassino da Urca e do hotel Quitandinha, amigo de Carmem Miranda e Francisco Alves, O Rei da voz. O meu personagem é Gyula Mandi! Até hoje não sei se Mandi era técnico de campo ou apenas assinava a súmula como tal à frente da inesquecível seleção húngara da Copa de 1954 que revolucionou o futebol, mesmo derrotada na final pela Alemanha. No tempo em que o meu América tinha dinheiro, torcida, prestígio e um presidente, Giulite Coutinho, visionário, Gyula Mandi foi contratado com todas as pompas para ser o técnico do clube da Tijuca. Torcedores adversários morreram de inveja. | Notícia de jornal sobre o técnico húngaro Gyula Mandi, que dirigiu o América-RJ nos anos 50 | Imagem: Reprodução |
Corria o ano de 1957 e o futebol húngaro estava na boca do povo, pelo encantamento que despertou na Copa e também porque o Honved, time itinerante que vagava pelo mundo dirigido por Bella Gutmann, formado por jogadores (entre eles Puskas, o artilheiro da Copa Kocsis, Budai, Sandor e o goleiro Grosics) que se negaram a voltar para o país, revoltados com a invasão soviética, passara por Rio e São Paulo, enfrentando Flamengo e Botafogo, reunindo multidões no Maracanã e Pacaembu. Mandi era alto, magro, olhos claros, nariz grande e fino, um homem delicado. Chegou em agosto em plena epidemia de gripe asiática e foi embora em abril de 1958, um pouco antes de o Brasil ser campeão mundial na Suécia, xingado e vaiado pelos torcedores e associados no pequeno estádio de Campos Sales. Eu estava lá, tinha 12 anos, ele 50 e poucos, e chorei assistindo à cena. Gostava dele. Tinha jeito de avozinho dos meninos do clube. Mandi foi profundamente injustiçado. Teve bons resultados no Campeonato Carioca e no Torneio Rio-São Paulo, promoveu vários jogadores jovens, inovou nos treinamentos, usando medicine balls, cordas e halteres e criou um corredor de chutes para os jogadores treinarem pontaria. Mas houve troca da diretoria do clube, a oposição venceu e, por birra e prepotência, demitiram Gyula Mandi. Judeu, treinou depois a seleção de Israel e eu nunca mais soube dele. Quando jantou em casa, a convite de meu pai, então diretor do clube, acompanhado pelo intérprete Rapopov (com quem brigou logo depois porque traduzia errado às instruções dada por ele), enquanto se deliciava com o strogonoff feito por minha mãe - o carro-chefe dela na cozinha - acariciou levemente a minha cabeça. E nem esperou pela sobremesa (doces da confeitaria húngara da rua Afonso Pena, vizinha de casa, a sensacional Gerbô), para dizer que me vendo jogar com os meninos lá no clube, eu levava jeito e quem sabe não viraria um jogador profissional. Gyula Mandi falou certamente para agradecer a hospitalidade e o saboroso jantar. Sempre fui um tremendo perna de pau. O elogio, porém, me fez sonhar seguidas noites como grande craque americano ao lado de Pompéia, Alarcon e Canário, tabelando com Romeiro e Leônidas antes de marcar o gol da vitória. Obrigado, avozinho Gyula Mandi! Você é e será sempre o meu técnico estrangeiro preferido! PUBLICIDADE | | |