Custei a entender Abel Ferreira. Demorou um bom tempo! Enxergava e analisava o jovem treinador somente pelo que o seu time mostrava em campo (às vezes gostava, outras vezes não) ou então pelas cansativas, palavrosas e modorrentas coletivas pós-jogo que participava. E ficava muito irritado com seus gestos, gritos e descontrole à beira do campo. Até que veio a participação no Roda Viva da TV Cultura. Com a limitada participação de apenas uma mulher na bancada, concordo com a Milly Lacombe. Mas foi aí que Abel Ferreira me conquistou. Mas não pelo que disse ou deixou de dizer (não gostei, por exemplo, quando tirou o corpo fora para não falar de política), mas sim porque me fez entender, e com mais clareza, com quem estamos lidando. Abel não é apenas Abel. Como seu patrício Jorge Jesus não é apenas Jorge Jesus. E como Vitor Pereira não é apenas Vitor Pereira. Tampouco Paulo Sousa. E os outros que estão espalhados pelo mundo também.O Abel que falou de calendário, ficar ou não no Palmeiras ("quero estar em um clube que me queira tanto como eu quero"), saudade da família ("minha vida é um triângulo: casa-treino-casa"), gramados ruins, jogo posicional ("divido o campo em quadrados"), táticas, as três linhas de passe de cada jogador ("apoio, largura e profundidade"), voto obrigatório, leitura de livros e etc, ele não foi apenas o Abel Ferreira. Quando falava, esbanjava firmeza, conhecimento, tinha atitude. Fiquei imaginando o por quê. Elementar, meu caro Watson, lembrando a frase jamais dita por Sherlock Holmes ao seu assistente. Abel é Manuel Jesualdo Ferreira. Não, não são parentes. Jesualdo é o senhor de 75 anos que passou rapidamente pelo Santos e onde não tiveram paciência e conhecimento para saber com quem lidavam. Jesualdo é o mestre desse pessoal. Fez a cabeça e auxiliou na sólida formação de vários técnicos portugueses. Manuel Jesualdo, porém, também não é apenas Jesualdo. Ele é Manuel Sérgio, o filósofo do esporte. O sábio de 88 anos, criador da Ciência da Motricidade, uma forma inovadora de estudar a prática esportiva. Ao demonstrar a relevância das ciências humanas e sociais na formação do treinador, Manuel Sérgio é categórico ao afirmar que: "Saber apenas fisiologia do esforço e outras ciências exatas não bastam".E considera que as "três qualidades essenciais para se tornar um grande treinador (são): ser líder, ter boa leitura de jogo e saber como se comunicar a fim de motivar sua equipe". José Mourinho define o mestre no prefácio de um livro intitulado "O Futebol e Eu" (Editora Prime Books), quando destaca: "Sou um homem grato a Manuel Sérgio. Ele não me ensinou nem técnica, nem tática. Mas ensinou-me esta coisa simples: o desporto é muito mais do que uma atividade física e só como ciência humana deve estudar-se e praticar-se. E isso bastou-me para que o futebol, para mim, passasse a ser uma atividade de meridiana compreensão". Como já disse, Abel Ferreira não é apenas Abel Ferreira. Ele é Manuel Jesualdo, ele é Manuel Sérgio. Precisa dizer mais alguma coisa sobre o Abel? |