Era 18 de setembro de 1904. Reunidos em uma casa no bairro da Saúde, junto ao porto do Rio de Janeiro, três jovens e três amigos decidiram fundar um clube de futebol, contra a vontade de alguns deles, que eram favoráveis a criação de um que fosse de ciclismo ou de corridas a pé, esportes mais praticados na época, assim como o remo. O nome ventilado inicialmente foi Rio Futebol Clube, não aceito de cara. Em seguida, Praia Formosa Futebol Clube, nome da rua onde se dava a reunião, também rejeitado. Até que, em um lampejo, Alfredo Koehler, evocando o Novo Continente, sugeriu America Football Club, nome aceito pela maioria. O uniforme, aprovado em assembleia geral, foi adotado imediatamente: "boné preto, dólmã (espécie de casaco) branco, camisa preta com as iniciais AFC, calção e cintos brancos, meias e ligas pretas e calçado branco". Os aniversários do clube, que teve várias sedes até se instalar na Tijuca, na rua Campos Sales, eram comemorados com muita festa. O America conquistava títulos (1913, 16, 22, 28, 32 e 35), cedia jogadores para seleções brasileiras, destacava-se em outros esportes, como esgrima, tênis de mesa, basquete, vôlei, futebol de salão. Era o orgulho do bairro, orgulho dos tijucanos. E sediava seus jogos menos importantes ali mesmo no pequeno estádio de futebol para umas oito mil pessoas. Passaram-se 25 anos até o clube conquistar novamente um título, o de 1º campeão do Estado da Guanabara, em 1960. Depois disso, nunca mais. É certo que teve uma Taça Guanabara aqui, em 1974, um torneio dos Campeões ali, em 1982, e mais nada. A sede foi destruída, reconstruída e demolida de novo, o estádio foi para o Andaraí, depois para a Baixada Fluminense, em Edson Passos. Os aniversários não são mais comemorados. Lembro-me das vezes quando ia às comemorações do dia 18 de setembro em Campos Sales: banda dos Fuzileiros Navais, hasteamento da bandeira, revoada de pombos, queima de fogos de artifício, os atletas de todas as modalidades vestidos com uniformes do clube zanzando de um lado para o outro, partidas amistosas de vôlei, basquete e futebol e salão no decorrer do dia. Havia farta distribuição de lanche e de kits (chaveiros, flâmulas e pins) para quem passasse por lá, a entrada era franqueada aos não associados. A Tijuca se alegrava. E eu voltava todo pimpão para casa, demonstrando o enorme orgulho de ser americano. Domingo passado o clube fundado pelos seis amigos junto à Pedra do Sal, na Saúde, fez 118 anos. Houve, como sempre, missa nos Capuchinhos, na Basílica de São Sebastião, Tijuca, com a presença de pouquíssimos e fervorosos torcedores. Não houve festa porque nem sede temos mais. O que houve foi uma distribuição de cestas básicas, organizada por um grupo da torcida Anarcomunamerica aos funcionários do estádio Giulite Coutinho, que estão há meses sem receber salários. O que nos resta, agora sem um time profissional porque não conseguiu mais uma vez o acesso à série A do Carioca, é um aguerrido time de futebol feminino, sub-17, o que convenhamos ser muito pouco, muito pouco mesmo, para a grandeza e a história de um clube centenário. Enfim, essa é a triste realidade. Não comparem a nossa situação com a do Juventus da Mooca, que tem uma enorme sede social funcionando a todo vapor e o charmoso estádio Conde Rodolfo Crespi, atração turística na cidade de São Paulo. Tampouco com a Portuguesa, a Lusa, que possui o histórico estádio do Canindé, conseguiu voltar à Série A estadual, e está nas semifinais da Copa Paulista, com chances de disputar Copa do Brasil ou a Série D do Brasileiro. Tampouco estamos mais para Canto do Rio, que durante anos disputou o Campeonato Carioca e se retirou do futebol, porque lá em Niterói mantém uma sede social com atividade em vários esportes. Estamos na merda mesmo. Sem pai nem mãe. Falecemos de verdade. Somos um retrato na parede de vários de nós, eternos sofredores. Com licença de alguns poucos que ainda resistem, que ainda sonham, que ainda acreditam em milagres, eu paro por aqui. Infelizmente não posso te desejar feliz aniversário, meu querido America! PUBLICIDADE | | |