Eu faço questão que meus três filhos saibam que estamos num trisal porque existe amor. É uma relação afetiva, não é bagunça. A mais velha está começando a questionar a situação. Ela tem 11 anos. Estuda numa escola construtivista, mas que na verdade não tem mais uma postura construtivista. Tanto assim que ensinaram pra ela que mãe e pai é que são família. E ela começou a questionar: -Mas, como assim, mãe e pai? Aqui, a gente tem a mãe, tem o pai e tem a Lili. A Mara falou: - Nossa família é assim. Tem famílias de vários jeitos. Aí ela continuou: -Mas, mãe, o que a Lili é minha? Ela é minha mãe ou minha 'paia'? Foi um momento difícil. Tentamos explicar pra ela que existem homens que gostam de mulheres, existem homens que gostam de homens. E também existem homens que gostam de homens e de mulheres. E mulheres que conseguem amar uma mulher e um homem. - A mamãe ama a Lili e o papai. E o papai ama a Lili e a mamãe. Hoje ela já tem um entendimento maior de que pode ser assim. Mas ainda tem muitas dúvidas, e eu entendo. "Mãe, se uma mulher transar com outra mulher, faz um bebê?", ela perguntou outro dia. As amigas dela vão muito em casa e às vezes eu sinto que ela se sente constrangida pelo estranhamento das meninas. Um exemplo: todo mundo em casa se chama de "amor". Então, se uma criança pergunta pra Mara por que ela está chamando a Lili de amor, ela não vai mentir, vai dizer: "Porque eu amo ela". Então, tem criança que não vai mais em casa. Eu sinto que a minha filha começa a se incomodar com isso. A minha preocupação é: será que eu estou sendo prudente em ensinar essas coisas para a minha filha? Será que eu tenho as ferramentas corretas? Será que eu não vou bagunçar a cabeça dela? Eu temo isso, a Lili e a Mara também. Tanto que em casa todo mundo faz terapia há um ano - em conjunto e separadamente. Eu entendo que é um formato familiar que, apesar de não ser novo, está sendo tratado como novo, porque agora a gente pode se expor. Então, é algo que ainda gera muito estranhamento. Na parte prática, a terapia também ajudou muito. A divisão de tarefas, por exemplo, causava muito estresse. - Porra, você não pagou a conta! - Mas você é que tinha ficado de pagar! Você pensa que isso é só um troço prático, sem nada de emocional. Mas foi na terapia que começamos a perceber que organizar quem iria ficar responsável pelo quê iria fazer bem pra nossa família. Hoje, a Mara é a cabeça da casa. Antes, cada um tinha o seu dinheiro. Hoje, tudo o que eu e a Lili ganhamos entregamos na mão dela. A Lili cuida das contas, da logística, faz planilhas. E eu faço o impossível pra trazer o máximo de dinheiro pra casa. |