"Quando ouço alguém falar nessa história de "melhor idade", isso me irrita. Você vê as pessoas queridas irem embora, tem reumatismo, pressão alta, dor no joelho. O que tem de melhor idade nisso? Eu perdi uma filha. Não é fácil, viu? Por isso estou aqui. Tenho uns sobrinhos que são uns amores, mas não quero ser um peso pra eles. Então, decidi vir pra uma clínica de repouso. Naturalmente, eu posso pagar. Tem outra coisa que me irrita nisso de ser idosa. Eu tive uma infecção no rim e passei 18 dias no hospital. As enfermeiras me perguntavam: "Quer papinha?", "vamos nanar"? Mas que "papinha", que "nanar"?! Eu ficava louca. Eu não tenho quatro anos de idade. Minha irmã, que me visita sempre, diz: "É o jeito de elas quererem agradar". Eu acredito, mas me irrita. Tenha dó, eu tenho 89 anos. O dia aqui na clínica é meio enjoativo, de tanto não ter o que fazer. Às sete horas eu já acordei. Daí fico esperando as funcionárias trazerem o café. Tem atendente que às sete e pouco já traz. Outras seguem a regra e só aparecem depois das oito. Aí eu fico quietinha na cama, xingando a funcionária por dentro, "Ah, mas precisa ficar seguindo a regra?". Elas servem café com leite, pão com manteiga — nada de melão com presunto, é coisa simples. Tomo o café e ligo a televisão, a televisão é muito amiga. Vejo Ana Maria Braga e quando acaba vou lá fora tomar um pouco de sol e conversar com os rapazes. Eles já estão sentados. Converso com o Carioca, o Tomé, o Augusto. O Carioca vive no passado. Ele não fala nada, só escuta. Quando fala, diz assim: "Eu vou sair daqui e vou no meu banco". Acho que ele trabalhou num banco. Mas eu gosto muito dele. Quando voltei daquela internação por causa da infecção no rim, ele me recebeu com tanta alegria! Isso me fez um bem que você não imagina. A conversa do Tomé é ótima. Ele reclama que a família não quer tirar ele daqui. Todos nós queríamos estar nas nossas casas, mas fazer o quê? Eu queria estar no meu apartamento com a minha filha. Era demais de bom quando eu morava com a minha filha. Perder a minha filha foi muito difícil, mas eu não quero falar disso, não quero recordar. Meus sobrinhos pintaram o apartamento em que nós morávamos juntas e me chamaram: "Tia, o apartamento está pintado, venha olhar". Eu disse: "De jeito nenhum". Tenho muitas recordações. Fui muito feliz com ela lá. E o passado não vai voltar nunca. O Augusto é muito inteligente, veio pra cá por causa de bebida. Dizem que chegou tão debilitado que nem comia. É um pouco desanimador conversar porque tem pouca gente lúcida nesse lugar. Quando o Sergio Moro deixou de ser ministro, um assunto muito importante, eles nem ligaram. Ai, como é triste. Agora mesmo eu perguntei para eles: "A que horas o Brasil vai jogar com o Uruguai?" Ninguém sabia. Imagine, homens que não sabem nada de futebol! Eu sei mais que eles. Mas quando a minha irmã vem, eu coloco a conversa em dia. É uma alegria, porque ela me conta as coisas. "Sabe quem ligou?", "Adivinha o que aconteceu com a namorada do João?" João é o neto dela. Agora os namorados dormem juntos, não é como na minha época que as pessoas casavam virgens. Então eu pergunto: "A namorada nova já dormiu lá?". Eu adoro saber dessas coisinhas. Às vezes minha irmã diz que Fulano perguntou de mim — eu adoro quando perguntam de mim! Isso me faz muito bem. Ela e o meu cunhado vêm me buscar todo domingo e me levam ao restaurante. Gosto dum frango à passarinho, uma polenta frita. Depois do almoço, eles me trazem de volta. O melhor momento da minha vida é quando estou com eles. Logo que cheguei na clínica, eu comia no quarto, mas depois me convidaram pra almoçar no refeitório e eu passei a ir, porque me distraio vendo as pessoas. Acabou o almoço, eu venho para o jardim, bato um papo, cochilo um pouquinho e vou para o quarto. A minha vida lá fora depois do almoço está encerrada. Não saio mais. Fico fazendo palavras cruzadas. Adoro, adoro palavras cruzadas! Faço umas duas folhas por dia. Às vezes, eu faço ao lado do Carioca — ele é muito culto, fez seminário. Outro dia, acertou a palavra "sepulcro", que eu nunca iria adivinhar. Não sou muito de Bíblia. Sou católica, embora sem praticar muito, mas adoro o papa, adoro os padres, mesmo que tenha alguns meio mal falados. O jantar é às cinco e meia. Janto no quarto e depois vejo televisão. Só assisto o canal cinco, tem umas novelas que eu adoro. Eu não durmo muito bem. Às vezes, quando eu demoro a pegar no sono, só penso besteira. Que tipo de besteira? Por exemplo, penso: "Amanhã vou fazer pouco caso de Fulano porque Fulano fez pouco caso de mim hoje". Mas daí acordo e esqueço, porque é tudo besteira. São essas coisas que a noite traz. A noite não é boa conselheira. Eu ainda reconheço tudo, lembro do meu passado, o que me irrita é não poder andar. Tem gente aqui que os outros têm de botar comida na boca — que triste, não? Eu, não. Como muito bem, como sozinha. Uso fralda, mas é mais para prevenir. Uso também aquela calcinha de plástico, que é ótima. Se você tiver uma avó, pode dar pra ela. |