Bem-sucedido economista de Goiânia, M.L., 31 anos, fala que a gordura lhe trouxe uma sequência de paixões não correspondidas na juventude e uma permanente sensação de inadequação ao longo da vida, além de algumas cadeiras quebradas - ele se acostumou a sentar-se apoiando o peso do corpo na ponta dos pés para evitar incidentes que, diz, já lhe causaram constrangimento e vergonha.

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"Gordo dificilmente é gordo por igual. Quando você é muito gordo, você é meio desconcertado. Por exemplo: às vezes, as coxas são mais grossas que o quadril. Então, a calça serve na perna, mas sobra em cima. A camisa fecha no peito, mas não fecha na cintura, porque a parte do quadril é mais larga que a do peito, como no meu caso.

Eu sempre tive esse problema de quadril, o que me valeu o apelido de quadrúpede na escola. Isso era terrível para mim.

O gordo sempre procura a aceitação das pessoas e tenta compensar a gordura com algumas habilidades. Eu estudei música e me tornei faixa preta em três tipos de luta — judô, tae kwon do e jiu jitsu— porque sabia que tinha de me sobressair em alguma coisa.

Mas a pessoa obesa tem um grande problema: ela não consegue atingir os objetivos que ela de fato quer atingir. Meu objetivo ao começar a fazer jiu jitsu [ele tinha 13 anos e pesava 110 quilos; hoje, aos 31, pesa 160 quilos] — não era ser campeão de jiu jitsu, era beijar a Amanda, a menina mais bonita da sala.

A Amanda namorava os outros meninos. Eu olhava esses meninos e pensava: "Esse cara não tem nada demais, ele só é magro".

Foi aí que eu percebi que eu poderia fazer o que fosse que a obesidade iria sempre me impedir de alcançar os meus objetivos.

Hoje eu sou bem-sucedido e tenho dinheiro, mas não consigo fazer coisas bestas, mas que pra mim seriam muito importantes, como, por exemplo, caber em uma roupa legal da Hugo Boss.

Querer muito fazer uma coisa, tentar de tudo pra conseguir e fracassar e fracassar de novo é muito frustrante. Esse sentimento persegue todo obeso.

Eu já fiz todos os tipos de dieta e fui pra academia várias vezes. Numa das últimas vezes, quebrei o aparelho de supino por causa do meu peso.

A hora que eu suspendi a barra, a emenda da solda arrebentou, a barra soltou e eu fui pra trás com tudo. Caí de costas e fiquei com uma lesão na lombar.

Mas o pior de tudo foi a vergonha. A academia estava lotada. Saí olhando pro meu pé, só pensando em nunca mais voltar lá. Essa foi terrível para mim.

As pessoas associam gordura a fracasso. Eu sou reconhecido pelo meu trabalho e volta e meia sou convidado a dar palestras. Mas quando chego no lugar, vejo as caras de decepção.

Quando as pessoas pensam em um cara de sucesso, o que elas imaginam? Um cara magro, alinhado, bacana. Aí chega uma pessoa obesa. É incongruente.

Eu sei disso porque consegui ser magro por oito meses. A aceitação é totalmente diferente. É por isso que às vezes eu me escondo dos meus clientes [ele trabalha como consultor financeiro especializado em day trade]. Tenho muitos com quem só trato pela internet, como esse de Fortaleza.

Ele parece ser uma pessoa maravilhosa, vive me convidando para ir lá e eu gostaria de muito de ir, não conheço Fortaleza. Mas não vou porque tenho medo de decepcioná-lo quando ele me ver.

Nos oito meses em que eu fui magro, fechei hiper contratos, contratos muito importantes, contratos que eu penso que talvez não teria fechado se não estivesse magro. As pessoas da minha área olham para um gordo e pensam: "Uma hora ele vai falhar".

Um dia, fui atender um cliente que queria me contratar para fazer a consultoria financeira da empresa dele, de linha de transmissão de voz pela internet.

Quando eu cheguei lá, a primeira coisa que vi foi a cadeira de braço.

O gordo, aonde ele vai, automaticamente analisa o ambiente para ver como são as cadeiras. Se forem de plástico, tem de colocar uma em cima da outra para reforçar e não quebrar, o que é um constrangimento.

Se forem pequenas, tem de juntar duas, para sentar as duas bandas. Agora, a pior coisa para gordo é cadeira de braço. Você corre o risco de entalar, fica espremido lá dentro e a parte lateral da perna fica saltando para fora do vão lateral, uma cena ridícula de se ver. Você fica totalmente desconcertado.

Aí, chegando nesse cliente, sentei na cadeira do jeito que eu sempre faço. Olha o tamanho das minhas panturrilhas. Isso é porque, quando eu me sento, automaticamente, coloco todo o peso do meu corpo na ponta dos pés para não forçar a cadeira.

Só que a cadeira do cliente era uma cadeira muito boa, muito luxuosa e confortável, estofada, com encosto e tal. E, sem perceber, eu fui relaxando. A conversa foi fluindo, eu fui me empolgando, o cliente também. De repente, "crac", a cadeira quebrou.

Eu firmei o pé e consegui não cair, mas a cadeira foi para o chão. A situação foi terrível para mim. Acabamos fechando o contrato, mas eu acho que isso só aconteceu porque àquela altura já estávamos no fim da conversa.

Acredito que se eu tivesse quebrado a cadeira logo no início, o cliente não teria fechado. Alguém que quebra uma cadeira porque é gordo demais perde a credibilidade. "O cara é desleixado, não cuida do próprio corpo, vai cuidar do meu dinheiro?". Só que isso não é verdade.

Se eu não fosse um sujeito determinado, eu não teria chegado onde cheguei. Minha família é humilde — pai militar, mãe professora, nunca tive moleza, pelo contrário. Trabalhei em telemarketing para pagar meus estudos e fiz duas faculdades ao mesmo tempo.

Hoje, sou bom no que faço também porque sou disciplinado: estudo o mercado religiosamente, todos os dias, da uma às três da manhã, para poder mandar boletins para os meus clientes às seis da manhã.

Então, eu consegui ser bem-sucedido, conquistei muita coisa, mas não consigo fazer uma dieta. Sei todo o caminho: procurar ajuda, ir progressivamente trabalhando a parte física, alimentar e psicológica e assim ter um emagrecimento saudável, sustentável e bem-sucedido. Mas por que eu não faço isso? Porque é uma coisa muito difícil. A comida para o obeso é totalmente diferente do que é para o magro" [continua na próxima newsletter].

* A obesidade é uma doença multifatorial que, no campo da genética, sofre influência do complexo sistema de hormônios que regula o apetite e que só recentemente a medicina começou a desvendar. A leptina, por exemplo, que sinaliza para o cérebro a sensação de saciedade, só foi identificada em 1994. Seu antagonista, a grelina, conhecido como o "hormônio da fome", foi descoberto ainda mais tarde, em 1999.

* Por enquanto, a grelina é o único hormônio envolvido na regulação do peso que a ciência conseguiu reproduzir em laboratório. Mas o ritmo das descobertas vem se acelerando. A expectativa dos pesquisadores é conseguir desenvolver medicamentos que repliquem várias substâncias reguladoras do apetite de uma vez.

* Cerca de 5% das pessoas que sofrem de obesidade são portadoras de um mal crônico associado chamado Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP). Pacientes de TCAP podem perder o controle diante da comida a ponto de de ingerir 5 000 calorias em uma única refeição (o equivalente a três pizzas inteiras). De tão avassalador, o TCAP é conhecido entre médicos como "transtorno do estômago possuído", e causa grave sofrimento psíquico aos seus portadores, incluindo vergonha e culpa.