A minha primeira relação sexual foi um abuso. Depois eu passei a ter relações com primos e amigos do meu irmão. Todos falavam dos meus trejeitos, mas na hora faziam fila para transar comigo. Eu não sentia prazer físico, mas esses meninos eram heterossexuais, gostavam de mulher e enxergavam em mim uma mulher. Isso, ser tratada como mulher, é que me dava prazer. Comecei a frequentar lugares LGBT. Frequentava o Massivo, a Disco Fever, era da noite. Passei a ter amigos. Foi o que me salvou. Foi o que me salvou também no dia em que minha avó foi pra Santos fazer uma cirurgia e não voltou. Eu fiquei sem ninguém. Meus tios ficaram com a casa da minha avó e tudo o que havia lá. Se não fosse por um amigo da noite, teria ficado na rua. Estava também sem emprego e rompida com a minha mãe. Então, aos 18 anos, comecei a me prostituir. Não foi uma fase de boas lembranças. Tinha a hostilidade por parte da sociedade, por parte das prostitutas mulheres e por parte das iguais — porque eu era bonita e acabava tirando delas os clientes. Eu ainda não havia feito a cirurgia. Quando contava que tinha um órgão sexual masculino, alguns clientes se assustavam, mas nenhum desistia. Eu deixava claro: 'não quero que você me toque nessa parte'. Cheguei a sair agredida de hotel por causa de clientes que queriam ver, tocar o que eu não queria mostrar. Foi uma fase ruim, triste. Eu não me orgulho de ter feito essas coisas. Eu me orgulho de ter saído delas. Comecei a sair dessa vida quando um dos clientes me ofereceu uma vaga no telemarketing da empresa dele. Mais ou menos ao mesmo tempo, me chamaram no Hospital das Clínicas. Eu tinha 22 anos. Anos antes, eu e minha avó havíamos escutado no rádio que tinha saído um parecer autorizando fazer hormonização e cirurgia de mudança de sexo no HC. Enquanto ela não me inscreveu no programa, não sossegou. Meu prontuário lá é o número 20, mas tive de aguardar anos na fila. 'Vai fazendo terapia que logo a gente te chama', a médica disse. Minha avó ainda não tinha descoberto o câncer naquela época. E quando finalmente me chamaram, já não estava mais aqui pra dividir aquela alegria comigo. Tive problemas na cirurgia e acabei ficando 28 dias no hospital. Então, quando cheguei em casa, já tinha desinchado tudo e eu estava sem o curativo. Olhar no espelho e me ver com uma vagina foi uma das melhores sensações que eu tive na vida. Era como se eu estivesse realmente livre. Na minha cirurgia tiveram de usar a alça do intestino para recobrir o canal vaginal — na genitália eu não tinha pele. Quando eu tinha 16 anos, tentei me mutilar. Minha avó tinha saído e eu estava desesperada. Pensava: 'Não vou ficar com isso. Não vou viver o resto da minha vida com essa coisa me mostrando que eu sou o que eu não sou'. Fui para o banheiro. Enchi a banheira de água e entrei, sabia que iria sangrar muito. Só que, quando eu fui passando a tesoura, olhar para aquele sangue me fez ter uma queda de pressão e eu desmaiei. Minha avó chegou e me viu na banheira, toda ensanguentada e com uma tesoura do lado. No hospital, suturaram, mas não fizeram a reconstrução. Então, quando fiz a cirurgia, não tinha pele suficiente lá para recobrir o canal vaginal. Depois que você é operada, tem de ficar com um dilatador por 30 dias, para que o canal não feche. É como se fosse um pênis de silicone. Mais tarde, tem de usar diariamente. Durante algum tempo foi incômodo. Mas depois de descobrir que o dilatador era capaz de me fazer gozar, passei a fazer masturbação e não dilatação. A primeira vez que eu gozei na vida foi depois da cirurgia. Quando era criança, nunca me masturbei porque detestava a ideia de ter um pênis. Na cirurgia, o clitóris é construído a partir da glande. É uma região erógena cheia de enervações. Quando percebi que tinha sensibilidade nele, fiquei muito feliz. Consigo gozar e ter lubrificação normal nas minhas relações sexuais. E é uma alegria sem tamanho ir à praia e colocar um biquíni com a certeza de que, não importa o quanto as pessoas olhem, não vão ver nada que as deixe com olhar de susto." [continua na próxima newsletter]. |