Num dia de 2009, fomos eu e meu marido correr de kart com uns amigos. Na volta para casa, resolvi tomar um banho pra me livrar daquele cheiro de combustível. Quando comecei a me ensaboar, senti uma coisa dura no seio. Na hora, pensei que pudesse ter batido o peito no kart. Eu tinha tomado banho de manhã e não tinha nada daquilo. No dia seguinte, por insistência do Luiz, meu marido, fui ao médico, que pediu um ultrassom. Deu um nódulo de 5 centímetros, mas em momento nenhum eu pensei em câncer. Achava que isso era coisa de mulher mais velha, que deveria ser algum transtorno hormonal. Foi só durante o exame no consultório, no momento em que o mastologista me apalpou e que eu olhei para a cara dele, que meu cu trancou. Ele apalpou bastante tempo, daí sentou e falou: "Olha, presta bastante atenção: você vai fazer uma biópsia com agulha grossa. Para gente saber os caminhos do seu tratamento". Eu pensei: "Mano, isso não é coisa boa, não". Fiz a biópsia no dia do aniversário de dois anos do meu casamento. Eu estava um pouco preocupada, mas não "noiada". Estávamos nos mudando para uma casa nova. Meu marido era o centro da minha vida. Nós nos conhecemos quando ele era promotor de baladas e eu trabalhava numa rede de TV. Com um ano de namoro, ele me pediu em casamento. O resultado do exame chegou no meu trabalho. Na época, eu trabalhava numa assessoria de imprensa onde só tinha mulheres. Abri o envelope e li: "carcinoma ductal invasivo". Eu não entendia o que era carcinoma. Achava que, se fosse câncer, viria escrito "câncer". Aí, minha chefe gritou do outro lado da sala: - E aí Mi, o que é que deu? - Alguma coisa "invasivo". - Mas "alguma coisa" o quê? - Carcinoma ductal. Ela ficou branca. - Me dá isso aqui. Pegou o exame e ligou para um médico amigo. Na volta, me deu a notícia: "Mi, você está com câncer, mas o médico disse que tem 90% de chance de cura". Pediu para a secretária marcar uma consulta naquela mesma hora com o meu mastologista. Achei que ela estivesse doida. "Câncer, eu? Nada a ver", pensei. Na consulta, o médico falou: "Você está com câncer e é invasivo, o que significa que temos uma certa urgência de resolver. Você vai ter de fazer quimioterapia e provavelmente terá de passar por uma mastectomia". Fiquei olhando para a cara dele, sem entender direito o que estava acontecendo. Minha ficha só caiu quando ele disse: "Vamos tentar fazer a preservação da sua fertilidade porque a quimioterapia pode deixar a mulher infértil e provavelmente você não vai poder ter filhos depois". Aí eu caí no choro. Lembrei de todo o contexto do meu casamento e pensei: "Fodeu. Tô cagada, na merda, vou morrer e ainda perder o marido antes. Não vou poder dar filhos pra esse homem que precisa tanto de uma vida de comercial de margarina". Aí doeu. Dali, fui chorar na casa da minha mãe. Ela disse que rasparia o cabelo comigo. Eu falava: "Não é uma questão de cabelo!". Quer dizer, até era. Porque tudo girava em torno do Luiz: "Cara, se esse homem já faz bullying comigo mesmo eu sendo bonitinha, imagina careca e com um peito a menos". Ele sempre foi muito bonito e naquele tempo trabalhava numa empresa aérea. Vivia cercado daquelas aeromoças. Eu pensava: "Como é que eu vou competir com essas mulheres?". Todo o meu desespero naquele momento girava em torno da possibilidade de perder o Luiz. Com o tempo, tive a certeza de que pelo menos durante o meu tratamento ele não me deixaria - ele passou a me acompanhar nas quimios e nas consultas. Eu tentava estar sempre bem, para ele chegar em casa e eu poder dizer: "Estou ótima, tá vendo?". Voltava da químio e ia fazer o jantar. Tentava seguir a nossa rotina. Acho que eu poderia ter me permitido ficar mal. Hoje eu faço isso. Se eu estou mal, estou mal. Vou para a minha mãe, fico deitada na cama no escuro, com fone de ouvido. Mas naquela época eu tentava ficar firme, durona. Não queria ser um fardo pra ele. Queria que ele continuasse a ter admiração por mim. |