A cisplatina me derruba. Nos primeiros ciclos, eu vomitava sem parar, a ponto de quase perder a consciência e ter de ir para o pronto-socorro. A barriga incha, eu fico parecendo um baiacu. Sinto enjôo de qualquer cheiro. Escovar os dentes é a pior coisa — qualquer movimento que eu faço na minha boca vem aquela ânsia horrível. Minha mãe achou uma pasta que tem um gostinho de sal. Eu escovo com o dedo, bem devagarzinho pra não dar ânsia. A cisplatina também me dá muita fadiga. Eu quero fazer as coisas, mas o corpo não acompanha. Meu, fico vendo a vida acontecendo lá fora, me dá uma agonia! Quero sair, produzir alguma coisa, mas não consigo nem falar no celular. Então, eu me apego às séries. Bati Grey's Anatomy inteirinha, 293 episódios. Outro exemplo de coisas que eu mudei na minha vida: meu pai está indo pra Rondônia agora visitar uma parte da família. Diz pra mim: "Vamos porque a sua tia avó não te vê faz tempo". Aí eu ponho na minha balança. Eu quero ver a tia avó? Quero. Mas sei que vou ficar naquele ambiente em que ninguém entende muito o que eu tenho, vou ter de ficar falando sobre isso, vai todo mundo ficar olhando pra mim com aquela cara de quem não sabe bem o que dizer. Então, não me sinto mais obrigada a ir, por mais que isso desaponte meu pai neste momento. Também fiquei mais gastona. Não fico pensando em juntar dinheiro. Agora, por exemplo, vou pra Paris e estou levando um dinheiro, mas se me der uma vontade de comprar alguma coisa mais cara, não vou ter problema nenhum em passar a mão no meu cartão de crédito e comprar. Depois eu corro atrás do prejuízo. Meu fetiche louco de viagem é bolsa. E gosto muito de maquiagem também. Não passo mais vontade. Compro tudo! Quando eu descobri a metástase, inventei que queria voltar a trabalhar, mesmo estando afastada pelo INSS. Fiz um acordo doido com a minha chefe: não atenderia muitas contas [Ana Michelle trabalhava numa assessoria de imprensa] e a cada 21 dias iria faltar três, por causa da fadiga oncológica da quimio. Só que, além de eu começar a trabalhar no mesmo ritmo, aquilo começou a não fazer mais sentido pra mim. Eu me pegava olhando pra tela do computador, sem ação: "Meu, por que eu estou fazendo isso? Minha vida pode estar acabando e eu tô escrevendo um release sobre uma oficina de sorvete que vai acontecer no shopping? Sério mesmo?". Percebi que só estava querendo provar pra mim mesma que era capaz de continuar trabalhando. Parei" [continua na próxima newsletter]. |