Direitos humanos: para quê (quem)?
Hoje, pensar em direitos humanos é uma atividade complexa. Lidamos com o paradoxo de conceitos que envolve os preâmbulos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e o atual dito popular “direitos dos manos”.
Isso por conta do destaque maior que a Comissão de Direitos Humanos dispensa à população carcerária brasileira, amontoada nos depósitos humanos e condenada pela desigualdade, pela exclusão e por outras dificuldades sociais que desencadeiam as expressões desses problemas na sociedade.
Porém, os direitos humanos não são uma exclusividade da população carcerária no Brasil, e abrangem os direitos sociais das famílias dos presidiários, das famílias vítimas da violência em geral, dos idosos, dos gays, das crianças etc. Não há distinção específica para quem são empregados os direitos humanos. Todos têm direitos, independente de raça, credo, etnia, gênero, status social.
Intolerância
Os 'direitos dos manos' são frutos do descontentamento da população que sente na vida real a violência
Mas o que ocorre com os “direitos dos manos”? Na realidade, eles não existem nem na teoria e nem na prática. São frutos do descontentamento da população que sente na vida real a violência, a enxerga através da mídia e questiona onde estão os seus direitos enquanto seu agressor aparentemente goza de mais direitos que ela.
Surgem então grupos milicianos ou pessoas inconformadas com a injustiça ao trabalhador e a eles mesmos: são os justiceiros que se alimentam da ira com o crescimento desenfreado da violência e da impunidade.
Direitos humanos para quê? Se o direito de ir e vir acaba cerceado pela onda de assaltos e tiroteios nas ruas e centros de lazer do Brasil? Para que existem direitos humanos se quem é vítima da violência tem apenas um direito que lhe é garantido: ficar com o prejuízo material ou emocional quando não tem sua vida interrompida por ações impensadas de vítima ou agressor?
Ah, tem o direito de ficar calado também. Boa parte da população não acredita nos direitos humanos e questiona a sua existência.
Direitos humanos para quem? A família que teve um ente querido assassinado por reagir a um assalto não tem assistência pública. Já o agressor, quando detido, tem. E ainda lhe são oferecidas oportunidades de ressocialização e regeneração.
No entanto, há um conflito entre quem defende os direitos de uma causa e quem defende os direitos universais como um todo. Tal fragmentação também está presente nos movimentos sociais, nos inúmeros sindicatos e nos conselhos de direitos espalhados por todo o Brasil. E essa divisão respinga na Comissão de Ética e de Direitos Humanos porque toda vez que a mídia veicula sua atuação, ela parece estar alusivamente agregada especificamente aos “direitos dos manos”.
Quebra de paradigma
A Comissão de Direitos Humanos parece ser um celeiro de interesses eleitorais para políticos de histórico pessoal conservador e contrário às diversidades culturais, religiosas e de gêneros. Tal celeiro faz esses políticos “lutarem” pelos direitos de uma minoria que até bem pouco tempo atrás eram alvos de suas críticas. E a promessa de luta pelos direitos da maioria, em contraponto com as minorias sociais, contraria o processo de socialização que poderia unificar os direitos de todos os brasileiros sem distinção.
Por esse motivo, os direitos humanos estão sendo encarados como um “privilégio” específico a um grupo social restrito, e estão sendo interpretados erroneamente como um terreno politico de propagação dos valores conservadores e adversos à democracia e à liberdade.
Justiça
A família que teve um ente querido assassinado por reagir a um assalto não tem assistência pública, mas o agressor tem.
Se vivemos em uma sociedade marcada pelo triste histórico de dependência colonial e inércia política associada à corrupção e à intolerância, já está tarde para superarmos as adversidades sobre os direitos humanos, para que existem e para quem são.
Portanto, a mudança no paradigma de que no Brasil só existem os “direitos dos manos” deve atingir todas as classes sociais. Não há direitos humanos se a população desconhece seus direitos conquistados ou os renuncia apoiando quem na verdade quer se promover politicamente.
E essa mudança, lentamente, parece ter sido fomentada pelas manifestações de 2013, que reuniram todos sem distinção. Esses são os direitos humanos que são indissociáveis à dignidade humana e à cidadania.
Enquanto continuarmos com o pensamento específico de defesa a uma causa distinta ignorando a defesa universal dos direitos de todos os cidadãos, veremos a nulidade da importância da Comissão dos Direitos Humanos e uma ameaça de retorno aos tempos do “olho por olho, dente por dente”.
É preciso redefinir os rumos dos direitos humanos no Brasil e reafirmar sua importância no dia a dia do povo, e não cercear os direitos de uns para garantir os direitos de outros.
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