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Inflação que a população sente no bolso é maior que a oficial

Adolfo Sachsida

Especial para o UOL

22/03/2014 06h00

A inflação de 2013, de acordo com o IPCA, foi de 5,91%. Ou, de maneira mais simples, quem não teve seu salário reajustado ficou quase 6% mais pobre. A inflação mede a evolução do custo de vida, e uma inflação alta sinaliza dificuldade na manutenção do padrão de consumo.

Toda vez que a inflação, medida pelo IPCA, é anunciada, sempre aparece um velhinho (ou uma dona de casa) dizendo que o índice é mentira, e que os preços estão subindo bem mais. Será que ele tem razão?

Sim, na maior parte dos casos o velhinho do parágrafo acima tem razão. A inflação costuma ser diferente para diferentes segmentos da população. Populações mais idosas costumam ter grande parte de seu orçamento doméstico comprometida com gastos em saúde. Quando os gastos com saúde aumentam, essa população sente isso diretamente no bolso. De maneira equivalente, donas de casa costumam sentir a inflação do supermercado, que muitas vezes é bem superior a inflação oficial.

Até agora nenhuma novidade. Então agora vou dizer algo novo: o que antes era apenas uma curiosidade, passou a ser uma dura realidade. Se, no passado, o velhinho e a dona de casa eram exemplos caricaturais, hoje parecem ser a regra. Explico: o governo passou a manipular abertamente os índices de inflação, logo tais índices deixaram de refletir a verdadeira evolução do custo de vida. Dois exemplos ilustram meu ponto: as desonerações tributárias que maquiam a inflação e o controle (beirando a um congelamento explícito) dos preços administrados.

Poder de Compra

Existe um hiato entre o que você sente no bolso e o que o governo divulga como sendo a inflação oficial

Suponha que uma lapiseira custe R$ 5. Imagine que destes R$ 5, R$ 1 é devido em imposto. Quando um consumidor compra a lapiseira ele não comprou apenas a lapiseira. Ele comprou a lapiseira e R$ 1 em serviços do governo. Afinal, aquele R$ 1 de impostos será convertido em algum bem público.

Pois bem, suponha agora que o preço da lapiseira subiu para R$ 6. Ou seja, ficou mais caro comprar a lapiseira. Então, o governo desonera a lapiseira de impostos. Em outras palavras, não é mais necessário pagar o R$ 1 de impostos, isto faz com que o preço da lapiseira retorne aos R$ 5 originais. Um índice de preços que olhasse apenas para a lapiseira diria que não ocorreu inflação.

No entanto, no exemplo original, seus R$ 5 compravam a lapiseira e mais R$ 1 de serviços do governo. Agora, seus R$ 5 compram apenas a lapiseira. Isto é, ocorreu sim inflação, mas o governo maquiou esse índice.

De maneira geral, é isso que ocorre quando o governo faz uso de desonerações tributárias para combater a inflação. Essa manobra apenas ilude o índice de inflação, mas não altera o fato básico de que ficou mais caro manter o padrão de consumo.

Note que no caso dos bens administrados o governo faz uso de manobras similares. Seja na redução do preço da energia elétrica, seja mantendo o preço dos combustíveis artificialmente baixos, no fundo o que o governo tenta é ludibriar os índices de inflação. O governo tenta iludir a população dizendo que o custo de vida não aumentou, quando de fato esse custo aumentou muito.

Hoje existe um hiato entre o que você sente no bolso e o que o governo divulga como sendo a inflação oficial. Esse hiato decorre de manobras que o governo faz para tentar maquiar os índices de inflação. Inflação se combate com austeridade monetária e fiscal. Tentar controlar a inflação por manobras diferentes apenas resulta em varrer a sujeira para debaixo do tapete.

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