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Projeto de lei anistia conduta ilegal de construtoras em distratos

Especial para o UOL

04/03/2016 06h00

Diante de uma séria crise política, que paralisou os trabalhos legislativos praticamente durante todo o ano de 2015 e impediu a votação de projetos essenciais para o tão necessário ajuste fiscal que pode salvar o Brasil da grave recessão em que se encontra, parlamentares do Senado arrumaram tempo para discutir outras questões, que também afetam o povo e de maneira negativa.

Na véspera do recesso legislativo, em meados de dezembro e ao apagar as luzes do Congresso Nacional, senadores da base aliada do governo decidiram presentear construtoras e incorporadoras com um salvador projeto de lei, que as autoriza reter substancial quantia em caso de devolução de imóvel comprado na planta.

Segundo a proposta, a retenção dos valores pagos pode ser de 25% dos valores pagos, sem nenhuma justificativa e, caso o incorporador alegue algum prejuízo, esse desconto pode ser ainda maior. Pior que isso é que o projeto também autoriza a retenção de 5% do valor de venda (e não do valor pago) a título de despesas de venda. Esse cálculo sobre o valor de venda pode representar, em alguns casos, dependendo do percentual pago, a perda total ou substancial dos valores pagos.

Pegando como exemplo um imóvel de R$ 400 mil, no qual o consumidor pagou R$ 50 mil de parcelas, a retenção autorizada pela suposta futura lei será de inacreditáveis 65% dos valores pagos.

E, para selar a série de aberrações, a restituição ocorrerá em três parcelas depois de decorridos 12 meses da formalização do distrato. Ou seja, o cliente disponibiliza de forma imediata o imóvel para nova comercialização, mas tem de esperar 15 meses para receber pequena parte do valor que investiu para financiar a obra.

A pretensa lei viola frontalmente legislação vigente, vai de encontro às leis de defesa do consumidor e civil, fere princípios intangíveis do direito e afronta súmulas de Tribunais Estaduais e do próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O que pretende, de forma prática, é que se a forma de agir das construtoras viola a lei, os respeitáveis legisladores, em vez de criarem mecanismos para coibir os exageros, optam por legalizar a conduta ilegal e permitir às empresas que continuem fazendo suas espúrias retenções, mas dentro da lei.

Hoje, grande parte das decisões judiciais garante ao consumidor a devolução de percentuais entre 85% a 90% dos valores pagos, corrigidos monetariamente e em única parcela. Retenções abusivas e restituição parcelada são ilegais, e o judiciário condena as empresas a seguir o que preceitua a legislação vigente. Eventual mudança na legislação não afetaria aqueles consumidores que já têm ações propostas, mas colocaria em risco o direito daqueles que ainda pretendem desistir do negócio.

Apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), o projeto de lei foi analisado e aprovado pelo relator da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), senador Benedito Lira (PP-AL), três dias depois de apresentado, e em mais 6 dias foi incluído na pauta para votação do colegiado. E tudo isso no mês de dezembro de 2015. Um tempo recorde.

Outro fato curioso é que uma matéria de tal importância não foi discutida amplamente com a sociedade e beneficia justamente o segmento econômico que financiou as campanhas eleitorais do senador. Referido senador também foi arrolado na investigação que apura eventuais desvios na construção da usina de Angra e envolve as construtoras.

Em depoimento prestado no mês passado à Polícia Federal, Jucá admitiu que se encontrou com o empresário Ricardo Pessoa, envolvido nos esquemas da Lava Jato e lhe pediu R$ 1,5 milhão para a campanha do filho, que, segundo o empreiteiro, serviria para facilitar a contratação de obras na Eletronuclear.

O relator da CCJ que votou favoravelmente à aprovação do parecer, foi denunciado, juntamente com seu filho, o deputado federal Arthur Lira, por suposto envolvimento na Lava Jato. Ressalte-se que Arthur Lira foi condenado em seu Estado natal por outro escândalo de corrupção, que teria desviado cerca de R$ 330 milhões dos cofres alagoanos.

Reforçando a suspeita do envolvimento do parlamentar com as construtoras do esquema de corrupção que envolve as empreiteiras, em recente decisão, o STF (Superior Tribunal Federal) determinou o bloqueio de mais de R$ 4 milhões da conta de pai e filho e o MPF (Ministério Público Federal) afirma que o desvio promovido por ambos é de mais de R$ 8 milhões.

Claro que aqui não está se acusando ninguém, e nem poderia ser diferente, pois nem indícios concretos se tem, mas a maneira como a pretensa lei beneficia construtoras e incorporados deveria também entra no hall das investigações da Polícia Federal. A desejada idoneidade proveniente das esperadas investigações seriam um importante elemento de prova da lisura das intenções dos legisladores.

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