Clubes exigirem que babás usem branco não é discriminação
Há alguns dias, o CSMP (Conselho Superior do Ministério Público) de São Paulo autorizou a reabertura da investigação de um tema polêmico: a exigência, por parte de alguns clubes paulistanos, de que as babás, que acompanham crianças associadas, trajem uniformes brancos nas dependências do local.
O caso começou no ano passado, a partir da denúncia que foi levada por uma associada do Clube Pinheiros ao Ministério Público paulista, dando assim origem a um inquérito civil (MP 43.0725.0000489/2015-2). Contudo, o referido inquérito fora trancado, em dezembro de 2015, pelo Conselho Superior do MP, que acatou o recurso dos clubes de que a exigência em questão não configuraria discriminação social. A última decisão –agora proferida por um CSMP com uma nova composição– concluiu que a apuração poderia prosseguir.
Do ponto de vista formal, a decisão de se permitir a continuidade da investigação é, sem dúvida, muito correta. É importante investigar se estão ocorrendo, ou não, eventuais abusos por parte dos clubes, dos seus representantes ou dos seus empregados. Afinal, essa é também a função do Ministério Público.
É acertado também o fato do Conselho ter recomendado que os clubes sejam averiguados de modo separado –isto é, não em um único processo–, pois esse parece ser daqueles problemas em que realmente se deve ter atenção às peculiaridades de cada um dos casos concretos. Enquanto determinado clube pode estar exigindo que babás apenas ingressem com uniformes brancos, outro pode exigir a utilização de crachás, e um terceiro ainda pode estar limitando determinadas áreas para acesso exclusivo dos associados.
A princípio, a obrigatoriedade de uniformes para as babás não configura, por si só, discriminação social, além de se situar dentro do poder de autorregramento que os clubes, cuja natureza jurídica é a de associações de direito privado, apresentam. Não se pode esquecer que –a despeito de cumprirem uma função socialmente relevante no que tange ao lazer, à prática esportiva e à convivência– os clubes são entidades essencialmente privadas, não se podendo confundir o seu regime com o do espaço público stricto sensu. No entanto, isso não significa que não estejam sujeitos às mesmas normas que disciplinam a vida de todos em sociedade, a exemplo do princípio da isonomia.
Por outro lado, para que haja ofensa ao princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, –ou seja, para que haja discriminação ilícita– é preciso que determinada conduta não apresente o chamado fator lícito de discrímen, isto é, que não possua uma razão justificadora de diferenciação. Na hipótese dada, há essa razão justificadora para a exigência de uniforme, já que a identificação de pessoas não associadas –mas que são empregadas de associados– nas dependências do clube se daria por motivos de segurança e organização.
Também não se pode esquecer que babás são profissionais que lidam com crianças –indivíduos em situação de natural vulnerabilidade. É compreensível que o setor de segurança do clube se preocupe em observar com atenção quem são os adultos que as estão acompanhando, sejam pais, babás ou terceiros com más intenções. Aliás, os funcionários do próprio clube também são habitualmente instados a se identificar com uniformes ou crachás, e isso não é objeto de questionamento.
Evidentemente, há toda uma gama de aspectos –técnico-jurídicos e também sociais– a ser considerada sobre o assunto. Por exemplo, será que os convidados dos associados também são obrigados, para os mesmos fins de segurança, a se identificarem de modo claro durante todo o seu período de permanência no clube? Em que medida a exigência em relação às babás configura indevida intromissão na relação jurídica entre o empregador que aceita as regras do clube e a babá? Se o empregador optar por comprar para a babá um título de associada, isso muda algo no cenário? São questões provocativas que nos dizem muito sobre o tipo de sociedade em que queremos viver.
Será que trata-se do tipo de sociedade em que é preciso chegar ao ponto de se regular, via controle estatal, o exato modo de identificação que deve um clube privado exigir para babás –se uniforme ou crachá, se apenas na entrada ou durante toda a permanência–, a fim de promover um suposto incremento no nível de respeito das relações humanas? Alguns mais críticos dirão ser em prol de um discurso politicamente correto.
Nesse debate, o que não pode deixar de causar indignação a todos é a sincera declaração, de uma das referidas babás, de que quando ela veste a roupa branca e caminha pelo clube é como se deixasse de existir como pessoa frente aos olhos e às palavras dos associados. Aqui, trata-se de um problema de invisibilidade social que, a rigor, é cultural. Não é irrelevante lembrar que outras categorias profissionais –como as relacionadas à saúde– também costumam utilizar roupas brancas, porém não padecem dessa invisibilidade.
Assim, o problema não está essencialmente no uso de uniformes, crachás ou outras formas de identificação para os empregados dos associados ou para os empregados do clube. O verdadeiro ponto está no modo de tratamento que deve ser dispensado a essas pessoas e que deve ser sempre humano e respeitoso à dignidade de todos os homens e mulheres. Nisso, a sociedade infelizmente ainda é muito imperfeita.
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