Novo Código de Processo Civil contribui para melhoramento ético
Os sujeitos de um processo judicial têm características próprias, estando cada um deles atento às finalidades de sua atuação no litígio submetido ao Poder Judiciário.
Dessa forma: o advogado será ético, mas parcial, assim levando ao processo versões fáticas e proposições jurídicas que interessarem ao cliente; o promotor de justiça vigiará os interesses que justificaram sua intervenção no processo, como é o caso de conflitos que envolvam menores ou incapazes; o juiz observará a imparcialidade, devendo analisar de forma equidistante todas as versões para proferir a decisão; as partes –aquelas que manifestam seus pleitos à Justiça– depositam todas as suas esperanças no processo, até porque foram incapazes de resolver amigavelmente o conflito.
Porém, não é surpresa para ninguém a existência de advogados que estimulam os conflitos. Da mesma forma, há casos em que os promotores de justiça ignoram suas responsabilidades e deixam de defender o interesse público, apegando-se a objetivos menos nobres. Existem juízes que, por simpatia com a parte ou com o advogado, proferem decisões ou conduzem o processo de maneira parcial. E há partes que, além de incapazes de resolver extrajudicialmente a querela, vão a juízo apenas por espírito de vingança ou provocação. Tais situações são exceções, mas existem.
À vista disso, o novo Código de Processo Civil (lei 13.105/15), ao menos no plano teórico e abstrato, contribui para o aperfeiçoamento ético dos sujeitos no processo judicial. A começar pela adoção expressa de princípios como os da boa-fé processual, dos que impõem isonomia entre as partes e os de cooperação entre os sujeitos do processo, dentre outros tantos.
Perpassando os limites principiológicos, o novo Código tratou de exigir que o juiz se aproxime das partes e dos advogados para que esclareça, sem armadilhas, quais fatos serão trazidos ao campo probatório e, da mesma forma, quais fundamentos jurídicos serão reputados como relevantes para a decisão. Tudo claro e sem surpresas, até mesmo porque o Código exige que as decisões sejam efetivamente fundamentadas, sem a aplicação de manifestações padronizadas e que sirvam para qualquer caso.
As relações entre os sujeitos do processo –ou seja, seres humanos comunicativos– criam amizades, simpatias e antipatias. Porém, o código traçou limites objetivos e subjetivos quando encarou tais relações em face do processo judicial. Nessa linha de raciocínio, o juiz será literalmente impedido de julgar o processo em que figure como parte o cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente de até terceiro grau, mesmo que naquele caso específico esteja representado por outro advogado do escritório.
Por sua vez, o perito a ser nomeado –tendo sido observando o critério da equitatividade pelo juiz– não precisará ter em seu currículo uma filiação ilustre, devendo apenas estar legalmente habilitado e constar no cadastro público.
Já os advogados terão que trabalhar não pela protelação do processo, mas pela conciliação –agora, com o auxílio da chamada mediação.
Com efeito, o legislador repugnará o louvor às formalidades e às nulidades desnecessárias. Eis o porquê da adoção do chamado “princípio da primazia do mérito”, segundo o qual se deve aproveitar ao máximo os atos já praticados. Aliás, isso faz todo sentido, pois a paz social não se obtém apenas com a conciliação, mas com a definição do juízo sobre o mérito em discussão.
A eternização dos conflitos judiciais –sobretudo com os desnecessários debates sobre solenidades e formas– traz insegurança aos litigantes e àqueles que estão ao seu redor, além de acarretar perda de credibilidade do Estado-Juiz. O diálogo entre os sujeitos do processo é o ponto forte do novo Código.
Seguindo a linha de exemplificação, o advogado terá que se comunicar mais com os clientes, pois, sob pena de multa, mesmo as intimações para o cumprimento de obrigações pessoais ocorrerão na pessoa do profissional da advocacia. Aliás, o advogado será responsável por comunicar às testemunhas de seu cliente o comparecimento à audiência.
Tudo está a revelar que o legislador quer um processo mais dinâmico e que se mova pelo paradigma da confiança, mesmo que haja um latente conflito entre os litigantes.
Não é por outra razão que o art. 6º do novo Código Processual, quase que de forma poética, estabeleceu que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Mais adiante, de forma mais pragmática, o legislador adverte que o juiz, o advogado público, o promotor de justiça e o defensor público responderão civilmente quando, no exercício de suas funções, agirem com dolo ou fraude.
Demais disso, o art. 235 estabelece a imposição de sanções administrativas ao juiz que extrapolar os prazos, sendo que, se a inércia for mantida, os autos do processo serão remetidos ao seu substituto legal para que, em última análise, os jurisdicionados não fiquem com os prejuízos. Entretanto, a pergunta que fica é: teremos mesmo justiça célere, isenta e de qualidade?
Mudança de valores
Penso que, se quisermos –todos nós, os sujeitos do processo– alcançar esse referencial, o caminho estará na mudança de mentalidade. Se os impulsos e sanções previstos no Código não se alinharem a uma mudança de valores, o resultado positivo será meramente ilusório.
Ora, de nada adianta a decantada primazia do mérito se aqueles que atuarão tecnicamente nos processos não se qualificarem. Já que os sujeitos do processo terão que dialogar abertamente, é preciso que tenham conteúdo. Daí, surgem três medidas urgentes: diminuição do número de faculdades de Direito desqualificadas e mercantilizadas; melhora na qualidade do exame da OAB; imposição de obrigatória qualificação permanente aos que exercem cargos públicos nas carreiras jurídicas.
De nada adianta a provocação legal à conciliação se os advogados não compreenderem que devem estar sempre equilibrados e em busca da paz social. A parcialidade do advogado pode sim fazê-lo aguerrido, mas nunca levá-lo a perder o foco.
No mesmo sentido, é inviável a tentativa de conciliação se juízes ou promotores lançarem manifestações agressivas nos autos em detrimento de algum dos litigantes ou de seus patronos. Aliás, a caneta do juiz pode até ser pesada, mas deve ser técnica e sempre atenta ao princípio da dignidade humana.
O avanço passa também pela mudança de postura das próprias partes. Sim, o litigante deve ir à Justiça para pedir o razoável, mas nunca o absurdo. Também não deve buscar a vitória a qualquer preço, pois o que mais se precisa no país, no momento atual, é de resultados pacificadores e definitivos, não de soluções meramente formais e que, no fundo, causem desconfianças e descréditos.
Ao reverso disso e estimulados pelas provocações do novo Código Processual, os atores dos processos judiciais devem compreender o outro, agir sempre dentro do razoável e com considerações técnicas e bem-elaboradas.
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