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Governo deve indenizar os casos de microcefalia por zika

Especial para o UOL

08/09/2016 06h00

Com apenas 13 dias de vida, uma bebê com microcefalia foi deixada em um abrigo no bairro de Campo Grande, no Recife. Nascida na cidade com o maior número de casos registrados da doença em todo o país, a recém-nascida aguardava uma definição sobre seu futuro. A mãe, que já tinha outro filho com deficiência, vive em condição miserável e não tem o apoio do pai da criança.

Nesse mesmo cenário de miséria e abandono, outras tantas crianças brasileiras são deixadas por suas famílias após o diagnóstico da microcefalia. Sem cuidados e terapias, a maioria não consegue falar, caminhar e/ou se alimentar sem sonda. Muitas acabam vivendo em hospitais e abrigos até a morte.

Como pessoa com deficiência e também como parlamentar, venho lutando para que o governo arque com o nascimento de outras centenas de vítimas de microcefalia decorrentes do vírus da zika. No final do ano passado, protocolei um projeto de lei que prevê uma indenização e a concessão de pensão especial para essas pessoas.

De acordo com a proposta, serão concedidas tanto uma indenização por dano moral –no valor único de R$ 50 mil– como uma pensão especial, mensal e vitalícia –no valor equivalente ao limite máximo do salário de benefício do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O projeto baseou-se em um ordenamento jurídico já praticado em outras situações semelhantes, como nas das indenizações e pensões especiais de responsabilidade da União e pagas, por exemplo, às vítimas da Síndrome da Talidomida (lei nº 7.070/82).

Para entender a realidade dessas pessoas, recentemente ministrei uma palestra em Recife em celebração à Semana Municipal e Estadual da Pessoa com Deficiência. Lá, falei sobre a Lei Brasileira de Inclusão, com o objetivo de empoderar essas mães que hoje vivem à margem de políticas de saúde e reabilitação.

Com apoio do PSDB Mulher de Pernambuco e da ONG Amar, ainda conseguimos promover um mutirão para o projeto Cadê Você? –uma iniciativa do Instituto Mara Gabrilli que leva informação e direitos às pessoas com deficiência que estão em situação de vulnerabilidade. No encontro, foram atendidas cerca de 60 famílias. Elas passaram por atendimento e receberam orientação sobre serviços e cuidados como postura adequada às crianças, alimentação, estimulação e higiene bucal. Também ocorreram atendimentos psicológicos às mães, de maneira individual e em grupo.

É aflitivo assistir a um cenário em que a população que mais carece de atendimentos básicos é também a que mais se depara com a miséria de boas ações e com o descaso das autoridades. Sabemos que o transmissor do vírus da zika é o mesmo da dengue – doença que já passou por várias epidemias no país–, e o Estado nunca tomou providências concretas e efetivas para erradicar o mosquito Aedes aegypti.

Não podemos permitir que essas famílias arquem com essa irresponsabilidade e fiquem desamparadas. Ou que uma parte delas –as mais vulneráveis, inclusive– conte apenas com um miserável amparo do governo.

Precisamos trabalhar para colocar em prática a Lei Brasileira de Inclusão, que determina ao SUS um acompanhamento de qualidade às gestantes de alto risco, inclusive com aprimoramento e expansão de programas de imunização e de triagem neonatal. Temos uma legislação completa e construída com toda a sociedade civil, mas precisamos tornar a lei uma ferramenta de direitos na prática.

O Brasil ostenta hoje um cenário desalentador, sem uma oferta decente de reabilitação, saúde ou saneamento básico. O custo de uma deficiência é alto, e é nesse cenário de miséria que muitas crianças estão nascendo com microcefalia. É neste país –que hoje carrega o reflexo de um desgoverno– que essas vidas precisarão de recursos para se desenvolver e ter o mínimo de dignidade. Nós não podemos incumbir essa conta àqueles de quem mais se foi subtraído e negligenciado pelo Estado.

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