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Opinião: O centrão, a nova coalizão conservadora e o caso Daniel Silveira

O presidente Jair Bolsonaro e os chefes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira - Adriano Machado/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro e os chefes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira Imagem: Adriano Machado/Reuters

Cláudio Pereira de Souza Neto*

Especial para o UOL

23/02/2021 15h21Atualizada em 23/02/2021 15h21

Com o apoio de Bolsonaro à eleição dos atuais presidentes da Câmara de Deputados e do Senado, muitos passaram a temer que o Parlamento brasileiro abandonasse a função de podar os excessos do governo. A confirmação, pela Câmara, da prisão do deputado Daniel Silveira revela que a preocupação tende a não ser procedente, pelo menos da amplitude imaginada.

A decisão da Câmara, longe de ser surpreendente, segue o padrão típico do presidencialismo de coalizão, agora parcialmente restabelecido, com a adesão de vários partidos de centro ao governo Bolsonaro.

No presidencialismo de coalizão, que vigorou até o impeachment de Dilma Rousseff, para que as maiorias parlamentares se formassem, o elemento ideológico possuía importância relativa. Apenas parte da coalizão se constituía em decorrência da afinidade programática. Para completar a coalizão, era necessário agregar partidos interessados predominantemente no exercício do poder, sem concebê-lo como meio para a implementação de um programa ideológico.

Com a eleição recente das mesas da Câmara de Deputados e do Senado Federal, com apoio do presidente da República, essa forma de compor maiorias parlamentares parece ter sido reabilitada, nada obstante Bolsonaro ter sido eleito apresentando-se como outsider disposto a romper com a "velha política".

São inúmeras as críticas que se podem dirigir, quanto aos efeitos para a moralidade pública, a forma de interação entre Executivo e Legislativo. Soba vigência do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, muitos dos últimos escândalos de corrupção estavam diretamente relacionados ao processo de formação de maiorias parlamentares.

Porém, é preciso reconhecer que, no presidencialismo de coalizão, os parlamentares com perfil pragmático também exercem a função de moderar os governos, enquanto lhes provêm governabilidade. Os parlamentares de perfil mais pragmático costumam representar as expectativas do homem médio, que orbitam em torno de um conservadorismo moderado, sendo refratários a extremismos.

A dinâmica já foi descrita por meio do termo "peemedebismo": o PMDB, até o impeachment de Dilma, era o principal partido a cumprir o papel de prover governabilidade e moderação. Embora Temer tenha chegado à Presidência, para o PMDB, o movimento foi catastrófico.

De moderador perene do sistema político na Nova República, em 2019, converteu-se em coadjuvante de importância secundária na composição do novo centro, integrado por um conjunto mais pulverizado de partidos, em que se destacam outras agremiações, como Progressistas, DEM e PSD.

Agora, com a adesão de vários partidos de centro ao governo Bolsonaro, a função moderadora do centro também deve voltar a operar, como se viu no caso da prisão deputado Daniel Silveira. O apoio ao presidente, na lógica do presidencialismo de coalizão, nunca é incondicional e não se traduz em adesão a extremismos ideológicos. Por definição, integrar o "centrão" é não se posicionar nos extremos.

Deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) - Divulgação - Divulgação
Deputado Daniel Silveira (PSL-RJ)
Imagem: Divulgação

Uma das diretrizes pragmáticas dos integrantes do centro parlamentar é cultivar relação de cooperação institucional harmônica com os demais poderes, inclusive com o Poder Judiciário. Nada mais distante do comportamento típico de um parlamentar de centro que dirigir agressões e ameaças aos integrantes de outro poder, como fez Silveira.

Bolsonaro, com o restabelecimento do presidencialismo de coalizão, deverá conseguir aprovar com mais facilidade sua pauta administrativa, além tornar remota a possibilidade da abertura de processo de impeachment. Porém, suas medidas extremistas tendem a não encontrar guarida no parlamento, ainda entre os parlamentares que participam do governo.

Ao confirmar a prisão de Silveira, a Câmara não está negligenciando a defesa da independência do Parlamento, nem abandonando o propósito de cooperar pragmaticamente com o governo: está apenas protegendo o único regime em que a política parlamentar pode participar efetivamente do exercício do poder: a democracia.

*Cláudio Pereira de Souza Neto é professor da Universidade Federal Fluminense, advogado constitucionalista com longa atuação no STF e ensaísta. É autor de vários livros sobre questões jurídicas e teoria do Estado. O mais recente deles, "Democracia em crise no Brasil", foi lançado no segundo