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OPINIÃO

Triste do país em que os poucos bons se vão

Carlos Fernando dos Santos Lima

Especial para o UOL

18/05/2021 04h00

A morte de Bruno Covas, um político novo que quebrava a regra atual do ódio, venalidade e preconceito de nossos homens públicos, ressalta ainda mais a carência de lideranças positivas e propositivas em nosso país.

Estamos tão à deriva, divididos em um conflito de ódio, em uma batalha de surdos, incapazes de percebermos nossos preconceitos, que é quase impossível dar-se ao luxo de ter esperança. E os poucos bons, mesmo que não testados completamente na vida pública, se vão antes da hora.

Em nada parecemos com a situação dos Estados Unidos, onde a democracia corrigiu o erro da eleição de Donald Trump em 2016. Lá houve a preservação suficiente da institucionalidade para sustentar um governo minimamente eficiente, bem como uma oposição sensata, durante a Presidência de um homem apenas interessado em abusar do poder, assediar mulheres e agredir adversários.

Quando vemos os meses iniciais do governo Joe Biden ficamos impressionados em como os americanos puderam suportar por quatro anos alguém tão abjeto e baixo como Trump.

Aqui, o movimento de radicalização da política, que não é exclusividade do Brasil, coincidiu com a destruição completa, como revelou a Operação Lava Jato, da aparência de legitimidade do nosso sistema político. Assim, a direita extremista aproveitou-se da venalidade dos governos Lula e Dilma Rousseff para falsamente se passar por honesta e proba e enganar os eleitores. Mas bastaram alguns meses de governo e o que se viu foi a repetição das mesmas práticas dos governos do PT.

Agora com o escândalo do Bolsolão — uma nova versão do mensalão destinado a atender a mesma base de apoio, ou organização criminosa, dependendo do ponto de vista, que desde os anos 1980 vem dominando o país —, o governo Jair Bolsonaro ficou nu, sem qualquer vestígio de credibilidade de um discurso anticorrupção. Não é outro motivo que o desejo de roubar livremente que bolsonaristas e petistas no Congresso unem-se para aprovar a PEC da vingança contra o Ministério Público.

Esse agrupamento de apoio chamado centrão, pago agora com verbas públicas secretamente aprovadas e destinadas a compra de tratores superfaturados, representa o principal mal da política brasileira.

Alguns, como Lula, na esperança de manter o Partidos dos Trabalhadores no poder durante 30 anos, pensaram que poderiam controlá-lo, sistematizando a corrupção, organizando-a sob o comando dos tesoureiros e próceres do partido, de modo a manter o cabresto sobre os demais partidos. Deu no que deu.

Já Bolsonaro é movido pelo dia a dia, sem qualquer estratégia que não seja ceder aos apelos do centrão por mais poder e agarrar-se a sua base de apoio, tão ignorante e preconceituosa quanto ele próprio, cega por uma guerra cultural sem sentido e por um discurso sem pé nem cabeça criado por um astrólogo sem instrução.

A única política pública de Bolsonaro é mentir sem qualquer vergonha, mente tão sinceramente que podemos pensar que nem sequer ele conheça o significado da palavra verdade.

Quem, como eu, compareceu no comício das Diretas Já em 1984 aqui em Curitiba e viu nesse palanque e na própria campanha pessoas como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Franco Montoro, Teotônio Vilela, Tales Ramalho e Mário Covas, avô de Bruno, dentre tantos outros, fica impressionado com a destruição de lideranças na política brasileira nos últimos 30 anos.

Aquelas pessoas, naquele momento histórico, representavam esperança de um país melhor. Quem hoje pode nomear cinco políticos em atividade que representem uma fração disso?

Essa decadência se deu pela permissividade do sistema eleitoral com o abuso do poder financeiro; pela fragmentação dos partidos políticos, que deixaram de ser filtros de lideranças para se tornarem propriedade de "fazedores de dinheiro", normalmente de origem ilícita, e pela incapacidade do Poder Judiciário, cada dia mais aparelhado pelos mesmos interesses que deveria limitar, em combater a corrupção.

O que temos hoje, portanto, é uma democracia que se sustenta mais nas aparências que em fundamentos firmes e capazes de superar crises. Aqui as perspectivas são sombrias quando se percebe que a polarização irá ser a tônica nas próximas eleições presidenciais. Mas a verdade é que qualquer um que venha a ser eleito em 2022 terá que lutar para não ser engolido por esse mesmo esquema corrupto. Mas de qualquer modo, os dois principais candidatos, Lula e Bolsonaro, já são especialistas nessa compra e venda da honra fingida e de falsa probidade.

Resta a todos lamentar a morte de um jovem que honrava o nome do avô, um homem de reconhecida idoneidade. Neste mundo em que prospera a desonra e a injustiça, onde pessoas se envergonham de ser honestas, gente como Bruno Covas fará falta. Que descanse em paz!

Carlos Fernando dos Santos Lima é advogado especialista em compliance e procurador da República aposentado.