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A boa medicina existe

Cravetiger / Getty Images
Imagem: Cravetiger / Getty Images

Rafael Canineu

Especial para o UOL*

03/10/2021 04h00

Num momento em que a prática e a atuação médica estão em destaque nos meios de comunicação, com ataques, questionamentos e muita desinformação, sinto a necessidade de expor um pouco da visão que tenho sobre a essência da medicina.

Desde o início da sua prática, muita coisa mudou no exercício da medicina. Junto com a descoberta de novas doenças, evoluíram as tecnologias, exames, diagnósticos, tratamentos, medicamentos e estruturas hospitalares.

Mas uma coisa não mudou: a prática da boa medicina. Aquela feita com as mãos nuas, com o toque suave, com os olhos, os ouvidos e principalmente o tempo. Tempo de escutar, de acolher, de entender e de cuidar.

O bom médico existe!

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Rafael Canineu é médico
Imagem: Facebook

Como filho de médico, vi muitas vezes meu pai cancelar viagens quando todos já estávamos no carro. Deixar de lado um passeio ou um almoço em família para cuidar de pessoas. Pessoas que tinham necessidades mais urgentes que as nossas naquele momento.

Como médico, passei a viver e a entender tudo isso. Só quem já passou uma virada de ano sozinho em um hospital enquanto todos os seus amigos e familiares comemoravam, riam e brindavam a chegada de um novo ano, sabe do que estou falando --prerrogativa não apenas do médico, mas de todo profissional de saúde e de outras carreiras também.

Mas essa solidão sempre valeu a pena, pois precisava cuidar de pessoas. Pessoas que tinham necessidades mais urgentes que as minhas naquele momento.

O bom médico existe! Conheço dezenas, se não centenas deles, no meu trabalho atual e em todos os outros por onde passei. São médicos que dedicam suas vidas ao cuidado do outro.

Pessoas de carne e osso que sofrem as dores dos seus pacientes e aprendem a ser fortes enquanto todos choram a perda de um ente querido, que aprendem a ser fortes porque a medicina não acaba quando o paciente enfim descansa, pois os familiares ainda precisam da boa medicina, aquela que ouve, que conforta e que cuida.

O bom médico existe!

Talvez a minha grande descoberta nessa pandemia de resultados tão trágicos para tantos brasileiros, e provavelmente de muitos dos meus colegas de profissão, tenha sido viver e testemunhar a existência da dor da alma, a dor que dói muitas vezes mais do que a dor física e que não pode ser tratada com remédios da prateleira da farmácia.

Dessa dor sofrem os pacientes sozinhos em um leito de UTI, sofrem as famílias enquanto esperam uma notícia, sofrem os filhos que perdem a oportunidade de pedir perdão, perdoar e ser perdoado. Para essa dor existe um remédio que não cura, mas cuida.

Esse remédio é prescrito diariamente pelo bom médico que ama sua profissão, que ama seu paciente, que toca, que acolhe e que divide com seu ele essa dor, mesmo que dentro do seu coração.

O bom médico existe!

* Rafael Canineu é médico.