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Guerra da Rússia-Ucrânia

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Rússia e Ucrânia perante tribunais internacionais: quais perspectivas?

Área perto do prédio da administração regional de Kharkiv foi atingida por um míssil, de acordo com autoridades da cidade - Ukrainian State Emergency Service/Reuters
Área perto do prédio da administração regional de Kharkiv foi atingida por um míssil, de acordo com autoridades da cidade Imagem: Ukrainian State Emergency Service/Reuters

02/03/2022 04h00

As audiências envolvendo o suposto genocídio contra a minoria Rohingya entre Gâmbia e Myanmar estavam terminando no Palácio da Paz na sexta-feira passada, dia 25 de fevereiro, em Haia, Países Baixos, quando a Corte Internacional de Justiça (CIJ) —o principal órgão judiciário das nações Unidas— recebeu o pedido de abertura de um novo processo envolvendo a Convenção de Genocídio por parte da Ucrânia contra a Rússia.

Dias depois, o Procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), também situado em Haia, informou a comunidade internacional que havia indícios de possíveis violações a crimes internacionais e que uma investigação seria aberta em relação à Ucrânia. Em Estrasburgo, no dia 1º de março, a Corte Europeia de Direitos Humanos (CtEDH) emite a primeira decisão judicial envolvendo a questão.

A diplomacia ucraniana parece eficaz em procurar diferentes órgãos judiciais internacionais para obter pronúncias sobre violações do direito internacional. No Sistema Europeu, Rússia não fica para trás para sustentar que violações estão ocorrendo com as minorias russo-falantes.

Num contexto extremamente político, o peso de uma declaração judicial emitida por um corpo de magistrados —ainda que uma medida provisória— pode ser importante para reforçar argumentos, solicitar a cessação de determinadas ações, combalir discursos infundados e, por fim, decretar que houve ou não a violação de regras jurídicas comumente acordadas pelos Estados.

Longe das misérias que ocorrem em campo, há também nos corredores diplomáticos e nas barras dos tribunais internacionais um embate jurídico. Não há atos sem justificativa. Podem ser avaliados, através de critérios objetivos do direito existente, quais argumentos soam mais ou menos coerentes ou defensáveis.

Dentro das relações jurídicas internacionais, qual o peso e alcance de cada um desses casos e desses tribunais? O que está sendo julgado? Outros tribunais poderiam ser mencionados. Há casos envolvendo direito do mar e investimentos entre Rússia e Ucrânia. Mas a síntese aqui envolve os três principais casos que no momento se descortinam na constelação de tribunais internacionais que tem algo a dizer sobre o conflito.

Corte Internacional de Justiça

Na Corte da Haia, trata-se de uma reclamação Estado contra Estado iniciada no dia 25 de fevereiro de 2022. Baseada na Convenção de Genocídio de 1948, Ucrânia argumenta que a Rússia invocou falsamente a ocorrência de atos de genocídio em Luhansk e Donetsk, motivo que teria impulsionado o reconhecimento da independência dessas regiões e legitimado o uso da força.

Em sua petição inicial, a Ucrânia pede expressamente à Corte que declare não ter ocorrido atos de genocídio nas regiões. Uma declaração da Corte sobre o tema poderia solapar a argumentação russa.

A Corte tem o poder de emitir medidas provisórias rapidamente (já o fez no passado em menos de 24 horas), o que foi solicitado pela Ucrânia. Requisitos processuais específicos precisam ser cumpridos para a emissão dessas decisões que são obrigatórias para as partes. Um desses requisitos é a jurisdição prima facie, ou seja, indícios de que a Corte terá competência para julgar o caso. É possível que nos próximos dias a Corte da Haia emita uma decisão nesse sentido.

O caso introduzido esse ano não se confunde com um processo já em curso perante a Corte desde 2017 envolvendo a Convenção para Discriminação Racial e a Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo.

Tribunal Penal Internacional

O Tribunal Penal Internacional tem jurisdição para julgar indivíduos que cometeram os mais sérios crimes internacionais: crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e o crime de agressão.

No dia 28 de fevereiro, o Procurador do Tribunal Penal Internacional, cargo mais alto da acusação, entendeu existirem indícios suficientes para a abertura de uma investigação em relação a crimes de guerra e crimes contra a humanidade (não houve menção a genocídio).

Uma investigação, caso passe pelos requisitos processuais da Câmara de Pré-Julgamento, poderá resultar na condenação de indivíduos responsáveis pelo cometimento de tais crimes.

Nunca é fácil condenar chefes de Estado e altos oficiais por crimes internacionais. Seria mais ainda difícil num caso como o da Ucrânia. Contudo, outras questões técnicas terão de ser superadas após um longo processo. Nenhuma decisão internacional é tomada sem o devido contraditório, principalmente envolvendo acusados dos mais graves crimes internacionais.

Corte Europeia de Direitos Humanos

Em 28 de fevereiro a Corte Europeia recebeu uma reclamação da Ucrânia contra a Rússia alegando "violação massiva de direitos humanos" cometida pelas tropas russas na ação militar iniciada em 24 de fevereiro de 2022. Trata-se do órgão judicial responsável por decidir questões de indivíduos ou questões interestatais sobre violações da Convenção Europeia de Direitos Humanos por seus Estados partes, dentre eles Rússia e Ucrânia.

Numa medida provisória urgente datada de 1º de março de 2022, a Corte Europeia entendeu que tais atos geram "riscos gerais e contínuos de sérias violações aos direitos da Convenção", em particular o direito à vida, proibição da tortura ou tratamentos degradantes e o direito à privacidade e à família.

A Corte de Estrasburgo então indicou que o Governo da Rússia deve, entre outras medidas, "abster-se de ataques militares contra civis e objetos civis, incluindo residências, veículos de emergência ou outros [...] como escolas e hospitais". Trata-se da primeira medida judicial pedindo à Rússia para respeitar os direitos humanos no conflito, ainda que de maneira preliminar e interina.

Qual é o peso de uma decisão no meio do conflito?

Parte da comunidade jurídica de internacionalistas tem seus olhos voltados para Haia e Estrasburgo. Pode-se discutir se a força de uma decisão de um tribunal internacional, obrigatória por si só, será o suficiente para refrear o conflito ou coibir as ações de um Estado.

Resta o fato que os argumentos jurídicos começam a ser mais claramente definidos pelas partes. No meio de um conflito em que o direito da força quer imperar, a força do direito oriundo de instâncias jurisdicionais pode ter um papel chave.