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OPINIÃO

Aporofobia, aporofilia, indiferença e negligência

03/08/2022 13h44

Por José Luiz Portella

A extrema pobreza pode ser banida do Brasil.

Sobretudo na cidade de São Paulo, que possui todos os elementos para fazê-lo em cinco anos.

Há recursos financeiros e número de funcionários (estrutura humana) para isso.

Mas esta estrutura humana necessita de treinamento específico, conforme o projeto, e as funções e metas da SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) requerem rigorosas reformulações.

Quatro fatores são os cavaleiros do apocalipse e grandes vilões adversários da consecução da proeza: aporofobia, aporofilia, indiferença e negligência.

APOROFOBIA vem da parte da sociedade que tem repulsa aos pobres, não aprecia enxergá-los, entende que eles sujam a cidade e gosta de bancos antimendigos.

Prefere que eles estejam em guetos ou expulsos do contexto, não importando aonde vão, desde que longe dos ambientes que os aporófobos frequentam.

Em geral, é o estrato reacionário e elitista da sociedade, com honrosas exceções.

APOROFILIA é um grupo perigoso, porque parece uma coisa, e não é bem assim, nem o oposto. Gosta de pobres, trabalha pelos pobres, com algumas ações positivas e meritórias, contudo, na realidade, não deseja extinguir a pobreza.

Porque vive dela.

Não só vive da arrecadação de fundos na área privada, como de verbas públicas. Mais destacado, adquire prestígio pessoal e identidade pública realizando a tarefa. Ganha imagem social relevante, a inflar o ego e amenizar a consciência de culpa da sociedade, por existir tal quadro humano.

Alimenta-se da pobreza.

Vive a culpar a área pública, normalmente devedora, mas faz dessa ineficácia seu passaporte de identidade pública. Frequenta assiduamente a rede social, posta vigorosamente quando há falhas, mas não o faz quando visita os gabinetes do governo e recebe verbas ou é atendida em seus pleitos. Não os divulga porque precisa manter o perfil de "o bom entre os maus".

Trata-se de uma hipocrisia bem postada, nem sempre identificada, que rende prestígio, poder de arrecadação e satisfação da vaidade.

Tal atitude não contribui para erradicar a pobreza, pois depende de mantê-la.

INDIFERENÇA vem de outra parte da sociedade, que não rejeita os pobres, os considera importantes discursivamente, mas pula da cadeira quando as barracas se aproximam das respectivas residências ou praças.

Em período agônico, quando a mídia toda está a mostrar a desgraça crescente, as pessoas fazem doações, muito bem divulgadas, mitigam a dor de consciência, parecem estar inclusas na solução do problema.

De modo fugaz. Ao arrefecer o calor da indignação midiática, esse grupo social gradualmente se retira do palco e, rapidamente, debilita a empatia, para de doar, de prestar contas, e se retira para o conforto da bolha onde não há carências nem deficiências, sem barracas à vista.

E voltam à ignorância do problema. A desigualdade não os move constantemente para mudar o status quo.

NEGLIGÊNCIA é atributo, sobretudo, do Poder Público, que reconhece aparentemente o problema da pobreza, em público, por intermédio de discursos racionais e politicamente corretos, alentadores, mas atua de forma deficiente, sem garra, sem devoção, inócuo ou ineficiente.

Quer resolver o problema desde que não afete os aliados, desde que não ameace os incumbentes de perder o poder.

O jogo partidário da estabilidade política, tanto nas votações no Legislativo, como no apoiamento às reeleições subsequentes, se superpõe.

Essas quatro forças agem simultaneamente e induzem inércia improdutiva, a pobreza continua onde está ou com alterações cosméticas.

O conjunto destrói a sinergia necessária para resolver a questão.

O combate à extrema pobreza é um projeto da cidade toda, não só da prefeitura, e precisa da sinergia de todos os setores, sem exceção.

Noventa por cento dos moradores em situação de rua estão incluídos na extrema pobreza. E seriam beneficiados por um projeto aprovado pelo prefeito, que continha 11 subprojetos, envolvendo toda a sociedade.

São Paulo pode extinguir a extrema pobreza e retirar 80% da rua em 5 anos. Creiam!

Se tivermos em SMADS três mulheres guerreiras e competentes que conheci, como Marcia do CA Aparecida, Nádia da Casa de Apoio Maria e Ana Paula do CTA 18, a virada seria mais rápida. Há mais gente assim, pronta para dar sua experiência e contribuição.

Como as condições necessárias não foram criadas e senti que o combate à pobreza era uma preocupação, mas não uma prioridade, deixei a Prefeitura de São Paulo.

A velocidade para agir na pobreza não respeitava a urgência das políticas necessárias e se dizia que a burocracia, não weberiana, tinha precedência.

Burocracia, no caso, traduzida, no modo lento de fazer, centralizado, despreocupado com os resultados.

Agradeço a todos que aceitaram participar dessa batalha fundamental e concordaram em compor um Conselho de Combate à Extrema Pobreza, que iria fazer história em São Paulo, pela imensa qualidade e currículo de seus respectivos membros, além da indiscutível sensibilidade humana.

O conselho construiria uma trajetória épica para a cidade, que não foi valorizada ou percebida. Infelizmente.

Agradeço, na ordem da aceitação, começando pelos professores-doutores:

  • Luiz Gonzaga Belluzzo - Titular aposentado Economia Unicamp e em 2001 um dos 100 maiores economistas do século 20 no Biographical Dictionary of Dissenting Economists
  • Maria Arminda do Nascimento Arruda - Titular Sociologia FFLCH e Vice-Reitora USP
  • José Antônio Sanches - Titular de Dermatologia USP
  • Miguel Srougi - Titular aposentado Urologia USP e ex-Titular Unifesp
  • Andrea Calabi - economista, ex-secretário da Fazenda de SP, ex-presidente do BNDES, ex-presidente do Banco do Brasil e ex-presidente do IPEA
  • João Fernando Ferreira- Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia
  • Rubens Belfort Jr. - Titular Oftalmologia da UNIFESP, duas vezes doutorado
  • Ana Elisa Liberatore Silva Bechara - Titular de Direito Penal USP e vice-diretora da São Francisco
  • Delegada da Delegacia de Defesa da Mulher - Dra. Bárbara Travassos, gentilmente cedida pelo Delegado Youssef Abou Chain

Agradeço e me desculpo por mobilizá-los sem lograr dar continuidade.

Realizar gera sempre conflitos.

Porque a situação vigente, de qualquer estado de coisa, sempre está sendo boa para alguém ou para o sistema.

A realidade inexplicável não ocorre porque é neutra, ou só porque falta vontade política. Geralmente ela está justificada pelo incômodo da solução.

Fazer é conflitar, e além de muita vontade, requer prioridade, obsessão pelo resultado, obstinação.

Vou torcer para que tudo funcione, do jeito que está sendo feito.