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OPINIÃO

Pedro Telles: O que fazer para Bolsonaro não voltar

O presidente Bolsonaro vota no segundo turno da eleição - Bruna Prado/Pool//EPA-EFE/REX/Shutterstock
O presidente Bolsonaro vota no segundo turno da eleição Imagem: Bruna Prado/Pool//EPA-EFE/REX/Shutterstock

Colunista convidado

06/11/2022 04h00

Bolsonaro tem grandes chances de chegar ao segundo turno em 2026, e aqueles que querem evitar isso precisam atuar em quatro frentes complementares

Jair Bolsonaro perdeu as eleições, mas não sairá de cena tão cedo. Ele segue sendo a maior liderança no campo político da direita, e o bolsonarismo está consolidado como um movimento forte e disposto a ir às últimas consequências.

Nas atuais condições, Bolsonaro tem grandes chances de chegar com força ao segundo turno em 2026.

Se quisermos evitar isso, diferentes grupos precisarão se mover simultaneamente em quatro frentes complementares:

  1. a construção de uma candidatura viável para 2026 pela direita democrática;
  2. a reconstrução da capacidade da esquerda de pautar o debate público, mesmo que isso signifique questionar posturas do novo governo Lula;
  3. a devida responsabilização de Bolsonaro pelos seus crimes;
  4. o contínuo fortalecimento da capacidade de órgãos governamentais, da sociedade civil, da mídia e das plataformas digitais para fazer frente à máquina de desinformação e discurso de ódio da extrema direita.

Começando pela construção de uma candidatura viável na direita democrática, a realidade é que hoje Bolsonaro está muito à frente de qualquer nome que possa vir a desafiar Lula (ou um nome indicado por Lula) nas eleições de 2026. Um cenário a ser evitado é o dessa parcela da direita simplesmente refluir a uma posição de antipetismo estéril — isso é exatamente o que Bolsonaro quer, porque é o território onde ele reina absoluto.

A direita democrática, que se uniu à esquerda para derrotar Bolsonaro, inevitavelmente terá críticas ao governo Lula. Mas também terá o duplo desafio de encontrar os caminhos para fazer essas críticas sem que isso fortaleça Bolsonaro, e construir uma alternativa capaz de tirar Bolsonaro (ou um nome indicado por ele) do segundo turno no próximo pleito.

Já no campo da esquerda, o desafio é reconstruir a capacidade de pautar o debate público mesmo que isso signifique questionar posturas do novo governo Lula, e fazê-lo de forma hábil para evitar armadilhas. Com a dominância da voz da extrema direita ao longo dos últimos anos, normalizamos absurdos que precisam voltar a ser vistos como absurdos. É necessário mover o pêndulo do debate público em direção à esquerda, para que o cidadão médio volte a repudiar ideias extremistas de Bolsonaro que se tornaram aceitáveis — e só a própria esquerda pode liderar esse movimento.

Lula, por força das circunstâncias, caminhou mais do que nunca em direção à direita para vencer as eleições. Nesse contexto, a esquerda provavelmente precisará adotar uma postura crítica a parte das decisões do seu governo de frente ampla se quiser pautar o debate. Se não tiver disposição para fazer isso, a extrema direita é quem seguirá pautando. O principal cuidado aqui será o de trazer tensionamentos construtivos e propositivos, que ajudem o próprio Lula a também mover o pêndulo para a esquerda — e não tensionamentos que facilitem a vida de uma extrema direita que cresce com o antipetismo estéril e com a antipolítica.

Com relação à responsabilização de Bolsonaro pelos seus crimes, isso precisa ocorrer de forma célere e contundente. A lista de crimes cometidos pelo atual presidente é longa, muito bem documentada e já gerou diversas ações judiciais. Até hoje, ele conseguiu se manter blindado graças à bem arquitetada combinação entre o foro privilegiado do cargo, aparelhamento das polícias, apoio de um Procurador-Geral da República que desviou totalmente as funções do cargo, e compra de apoio via práticas corruptas como o orçamento secreto.

Bolsonaro busca caminhos para se livrar da Justiça, mas sabemos pela história da ditadura que ele próprio defende que o preço de deixar impune um governante explicitamente autoritário e notoriamente criminoso é alto demais para a democracia. Ele precisa pagar pelo que fez — o que o deixaria inelegível em 2026, mas não acabaria com o bolsonarismo e nem anularia a possibilidade de ele eleger um sucessor, daí a importância dos demais pontos apresentados neste texto.

Por fim, segue urgente o contínuo fortalecimento da capacidade de órgãos governamentais, da sociedade civil, da mídia e das plataformas digitais para fazer frente à máquina de desinformação e discurso de ódio da extrema direita. É importante destacar que muito foi feito nesse sentido ao longo dos últimos anos: os poderes Legislativo e Judiciário avançaram em medidas preventivas, fiscalizatórias e punitivas; parte significativa das organizações e movimentos da sociedade civil colocaram o combate à desinformação e ao discurso de ódio no centro da sua atuação; veículos de mídia dos mais variados perfis se dedicaram a agir com maior firmeza e agilidade; e grandes plataformas digitais fortaleceram seus compromissos e práticas de forma relevante, ainda que insuficiente.

Contudo, apesar de termos evitado um desastre nas mesmas proporções do que vimos em 2018, a situação continua desastrosa. Redes amplas, bem coordenadas e bem financiadas com o objetivo de sabotar a democracia seguem existindo, desviando das barreiras impostas e causando graves impactos. E aqui cabe destacar uma característica central da sua estratégia: a extrema direita domina a agenda pública soterrando a sociedade com alto volume, alcance e frequência de conteúdos, dos mais variados tipos e vindo dos mais variados canais — enquanto a maior parte do campo democrático ainda responde com materiais que podem até ser bem elaborados, mas cuja produção e distribuição não são pensadas para enfrentar o tipo de guerra comunicacional que vivemos.

Além de colocar freios no extremismo, também precisamos atualizar as estratégias e táticas do campo democrático como um todo. Algumas experiências recentes que apontam nessa direção são a extinta plataforma Bolsoflix dedicada a distribuir vídeos de oposição a Bolsonaro em aplicativos de mensagem, a campanha Olha o Barulhinho que contribuiu para a reversão da tendência histórica de queda no número de jovens tirando título eleitoral, e a mobilização #TôComLula por meio da qual a campanha de Lula construiu uma rede de centenas de grupos de WhatsApp com gestão descentralizada.

Nenhuma das quatro frentes de atuação exploradas neste texto é simples ou trivial. Todas exigem forte comprometimento de recursos, tempo e capital político.

Porém, a pior coisa que podemos fazer agora é acreditar que a democracia venceu a guerra. Foi vencida uma importantíssima batalha - mas Bolsonaro e bolsonaristas não pararam nem por um dia, e o campo democrático tampouco pode parar.

*Pedro Telles é diretor da Quid, conselheiro do Advocacy Hub e senior fellow em Equidade Social e Econômica na London School of Economics and Political Science (LSE). Sua trajetória inclui atuação no Greenpeace, Oxfam, Assembleia Legislativa de São Paulo, Luminate e Fundo Brasil de Direitos Humanos, além de múltiplas campanhas eleitorais.