OPINIÃO
Proteção de crianças e adolescentes online: o X da questão
Ana Claudia Cifali* e Maria Mello**
Do Instituto Alana
13/04/2024 04h00
O empresário Elon Musk tem buscado mobilizar o debate público brasileiro travando um embate virtual contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, sob o pretexto de defesa da liberdade de expressão na rede social X (antigo Twitter), com o evidente objetivo de borrar o campo de visão sobre a responsabilidade das plataformas digitais quanto à circulação de desinformação, discursos de ódio e violência em seus produtos e serviços.
Desde que se tornou dono da rede social, Musk reduziu drasticamente investimentos em equipes e mecanismos de moderação de conteúdos ilícitos, recusou-se a cooperar diante dos episódios de violência nas escolas no país — ao não derrubar imagens e nomes de autores de ataques extremistas quando instado pelo governo brasileiro —, não realizou a devida diligência para remoção de conteúdos relacionados à exploração sexual e não aportou investimentos em segurança na plataforma.
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Se as consequências decorrentes das lacunas relacionadas à responsabilidade de plataformas impactam usuários em todo o mundo, são as parcelas mais vulneráveis da sociedade, compostas por crianças e adolescentes, as mais afetadas por um modelo de negócios cujo funcionamento, na maioria das vezes, baseia-se na exploração comercial de dados dos usuários e no desenho de ferramentas que visam mantê-las ativamente engajadas no consumo de informações digitais.
Crianças e adolescentes representam um terço dos usuários da internet no mundo. No Brasil, 95% das crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos de idade, acessam a internet. Somos o quarto país do mundo em tempo de tela, com um tempo médio de conexão por pessoa de 9 horas e 32 minutos por dia.
Se por um lado, a internet é capaz de garantir oportunidades para infâncias de diversas realidades, com o potencial de ampliar os meios de conexão e de acesso à informação, o ambiente digital não é isento de riscos, incluindo o vício em telas, exposição a conteúdo violento, radical e sexual, discurso de ódio, desinformação, exposição a jogos de azar, exploração e abuso sexual e acesso a conteúdos que promovem ou incitam o suicídio ou atividades que representem risco à sua vida e integridade física. Dessa forma, o uso compulsivo das redes, sem o devido equilíbrio, é capaz de causar graves riscos ao desenvolvimento integral, à saúde mental e ao bem-estar das crianças e adolescentes.
No Brasil, os recentes episódios de violências contra as escolas e as diversas pesquisas que se seguiram, demonstraram a relação direta entre grupos extremistas, discurso de ódio e mobilização nas plataformas e redes sociais. Diante desses casos extremamente graves, a plataforma de Musk isentou-se de sua responsabilidade, chegando a afirmar que a utilização de imagens de pessoas que realizaram atentados em escolas não contraria os termos de uso da rede.
Para enfrentar esse cenário, crescem nas principais democracias do mundo propostas de legislações e iniciativas que visam proteger os direitos de crianças e adolescentes em todas as etapas de desenvolvimento de plataformas digitais, bem como garantir o reconhecimento delas como protagonistas de suas experiências na internet, ampliando e garantindo seu direito à participação. A título de exemplo, já estão em vigor o Digital Services Act (DSA), da União Europeia, o Online Safety Act, do Reino Unido, a lei de Proteção à Juventude, da Alemanha, e o Online Safety Act, da Austrália.
No Brasil, o Poder Legislativo vem debatendo os Projetos de Lei nº 2630/2020 e 2628/2022, que visam garantir direitos e ampliar as responsabilidades de plataformas digitais com transparência e atendimento ao usuário.
No âmbito do Poder Executivo e da sociedade civil, especialmente motivado pelos casos de violência contra as escolas, o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda) aprovou, na última semana, a Resolução 245, que trata sobre os direitos das crianças e adolescentes no ambiente digital.
A resolução foi publicada nesta terça-feira (9) e busca iluminar o dever das plataformas digitais com a transparência, a devida diligência e permitir o controle social efetivo de suas ações, de forma a privilegiar, sempre, em quaisquer decisões, o melhor interesse e a garantia de direitos de crianças e adolescentes, como determina o artigo 227 da nossa Constituição Federal.
Em linhas gerais, a Resolução compila e detalha as leis em vigor para proteção de crianças e adolescentes que se aplicam também ao ambiente digital, propondo uma estratégia e um olhar cuidadoso sobre crianças e adolescentes em plataformas digitais, que coloque o seu bem-estar no centro do debate. Por fim, também determina a criação de uma Política Nacional para Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente no ambiente digital.
Em um país de extensas desigualdades socioeconômicas, com mais de 12 milhões de famílias monoparentais que enfrentam, diariamente, os desafios da escassez de tempo e da sobrecarga advinda dos trabalhos de cuidado, torna-se imperativo garantir que a responsabilidade pela defesa de direitos de crianças e adolescentes na Internet não recaia exclusivamente sobre as famílias, mas que respeite a proteção integral e a responsabilidade compartilhada pela garantia de direitos desse público, pactuada em nossa Constituição enquanto um compromisso coletivo entre Estado, famílias e sociedade — incluídas nesta última as empresas que lucram com a presença de crianças e adolescentes em suas plataformas e serviços, mas que têm reiteradamente se isentado da responsabilidade de protegê-las.
*Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana e Conselheira do Conanda.
**Maria Mello, coordenadora do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL