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OPINIÃO

Crianças e adolescentes só jogam o tigrinho porque o Instagram deixa

Até mesmo crianças chegam a ser envolvidas na divulgação do "jogo do tigrinho" Imagem: Reprodução

Isabella Henriques e João Francisco de Aguiar Coelho*

Colunistas convidados

02/07/2024 04h00

Um perigoso tigre está à solta nas redes sociais do Brasil, cercando os usuários e procurando insaciavelmente por sua próxima presa. Trata-se do "Fortune Tiger", jogo de azar também conhecido como "jogo do tigrinho", que, assim como outros semelhantes, passou a ser divulgado massivamente por perfis de influenciadores digitais em plataformas como o Instagram.

Até mesmo crianças bem novas, por volta de 6 anos, chegam a ser envolvidas na divulgação e publicidade dos cassinos online que disponibilizam esses jogos, colocando em risco os seus próprios direitos e os das crianças que as acompanham e fazem parte da sua audiência. Diversos casos de influenciadores digitais mirins contratados para esse tipo de publicidade foram reunidos em recente denúncia do Instituto Alana ao Ministério Público de São Paulo.

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As consequências para a saúde e o bem-estar de crianças e adolescentes já se manifestam de forma trágica, havendo inclusive relatos de suicídios entre pessoas de 17 anos em razão do endividamento nesses cassinos. Por sequer demandarem que o apostador se desloque a um estabelecimento físico, esses jogos de azar são ainda mais viciantes que os cassinos tradicionais.

Isso, é claro, reforça a urgente necessidade de agir com vigor, para que a proliferação dos jogos de azar no Brasil seja devidamente controlada pelo poder público, considerando que se trata de contravenção penal, conforme a legislação em vigência. A situação exige que sejam adotadas medidas contundentes em relação às plataformas de redes sociais como o Instagram no sentido de que seus usuários, sobretudo os mais jovens, sejam efetivamente protegidos frente aos altos riscos envolvidos em jogos virtuais ilegais.

Afinal, se hoje o Instagram está infestado pela publicidade de cassinos online é porque tornou-se um espaço propício para a sua circulação, seja pela atuação de crianças e adolescentes como influenciadores digitais sem as salvaguardas legais que o trabalho infantil artístico demanda, seja pelas deficiências do próprio Instagram no cumprimento do seu dever de cuidado em relação à moderação e à circulação de conteúdos.

Questionada a respeito da avalanche de publicidade de cassinos no Instagram, a Meta, detentora da plataforma, afirmou que a divulgação desses conteúdos depende de sua autorização prévia, e que os usuários deveriam denunciá-los à plataforma uma vez que os encontrassem.

O que o pronunciamento da Meta esconde é que reclamações sobre esses conteúdos nos canais do próprio Instagram não têm qualquer efeito: a plataforma raramente toma ações concretas a respeito dessas denúncias. Se é necessária a autorização prévia do Instagram para a divulgação de apostas na plataforma, resta a pergunta: quais são os mecanismos adotados para impedir que perfis não autorizados a utilizem indevidamente para esse fim? E por que perfis que se valem de crianças influenciadoras com milhares de seguidores igualmente crianças estão divulgando e incentivando jogos de azar considerados proibidos no país e proibidos especialmente para o público infantojuvenil?

O convite da empresa à denúncia é também pouco convincente pois entre as opções oferecidas para denunciar publicações nos stories, não há uma única que diga respeito à divulgação de cassinos, tampouco à veiculação de publicidade abusiva por ou para crianças e adolescentes. Mais ainda, a representação do Instituto Alana mostrou que, mesmo após receber denúncias de usuários, a Meta nada fez para proteger crianças e adolescentes de conteúdos de alto risco, capazes de gerar danos à saúde física e mental dessas pessoas, de forma até mesmo irreversível. A empresa também não disponibiliza publicamente relatórios que mostrem quantos conteúdos dessa natureza teria coibido após o recebimento de denúncias dos usuários, de modo a atestar a efetividade de suas supostas ações.

Sem a apresentação de medidas e resultados concretos pela empresa, a responsabilidade pelo enfrentamento da situação, ao fim, parece restar aos usuários do Instagram: são eles quem deveriam denunciar os conteúdos, mas não o fazem; são eles quem deveriam seguir os termos de uso, mas não os seguem... Enquanto isso, a Meta segue auferindo imensos lucros no mercado brasileiro, sem se responsabilizar minimamente pelos ônus gerados por seu modelo de negócios aos usuários mais jovens, em inegável conflito com a lei.

Já é passado o momento de chamar as plataformas digitais a agirem para proteger as crianças e adolescentes do Brasil; a hora, agora, é de exigir delas essas ações. Em um contexto no qual os riscos atrelados à utilização das redes sociais pelos mais jovens mostram-se cada vez mais intoleráveis, não fazer isso é apostar o futuro das infâncias e adolescências brasileiras em um perigoso jogo, que pode levá-los a ser devorados pelo "tigre da sorte" ou outros riscos encontrados no ambiente digital.

* Isabella Henriques e João Coelho são, respectivamente, diretora executiva e advogado do Instituto Alana

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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