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Tarcísio, desculpa, você não estava errado, você escolheu negar os dados

Há uma desinformação importante que não pode passar despercebida na declaração, quase inocente, do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Dois dias depois de um homem negro ter sido arremessado de uma ponte por um policial militar e na sequência de outras mortes, ouvimos ele dizer que estava "completamente errado." Não se trata de um erro.

O problema está em um outro trecho de sua fala, quando disse que tinha uma "visão completamente equivocada." Eu —e talvez você, leitor— posso ter uma opinião equivocada sobre políticas de segurança pública. Cá entre nós, sou a favor das câmeras. Mas um governador, ou qualquer gestor público, não.

No mundo desinformado e polarizado que vivemos, com canais de distribuição que amplificam mentiras e medos, a opinião vale mais que conhecimento.

Evidências e estudos realizados em dezenas de países mostram a relação entre o uso da câmera e a letalidade policial. Em São Paulo, o efeito câmera (antes de Tarcísio ter aniquilado o programa) reduziu 62,3% das mortes em intervenções de policiais militares. Neste ano, uma revisão de estudos e evidências do Ministério da Justiça e Segurança Pública chegou a uma conclusão semelhante.

Os rastros de verdade nos ajudam a desmontar a tese do erro. Tarcísio escolheu para secretário da Segurança o ex-policial militar Guilherme Derrite, cuja "visão" é criticar policiais militares que mataram menos de três pessoas em cinco anos. Você leu direito: PM bom é PM que mata. Uma contagem insana de corpos negros, que, como estamos vendo pelo noticiário, se tornam meros corpos-coisa, arremessados e trucidados. Derrite, que já foi investigado por 16 homicídios, continua no cargo.

Crises de segurança são oportunidade para nos convidar a tolerarmos o intolerável. Em "Como as Democracias Morrem", os autores mostram como chegamos a endossar medidas autoritárias quando tememos por nossa própria segurança. Vale para juízes também, que, em tese, poderiam coibir.

Traduzindo para a ótica Tarcísio-Derrite, faz parte do jogo matar inocentes e até crianças em operações policiais. Mas arremessar da ponte já é demais. Aí é preciso recuar e dizer que estava errado.

*Thais Lazzeri, jornalista e cineasta, fundou a FALA, um estúdio de impacto dedicado a soluções transformadoras, e criou o projeto Mentira Tem Preço.

Opinião

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