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Opinião: Decisão de Lula sobre asilo a peruana pode beneficiar Bolsonaro

A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nessa quarta-feira (16), de conceder asilo à ex-primeira-dama do Peru Nadine Heredia pode beneficiar indiretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), caso ele venha a ser condenado pelo Supremo no processo relativo à trama golpista do 8 de janeiro e também decida pedir asilo a outro país.

Os dois casos, de Heredia e Bolsonaro, não têm nenhuma relação jurídica formal entre si, mas possuem elementos políticos que se comunicam. E o fato de Lula ter beneficiado a ex-primeira-dama peruana agora pode reforçar os argumentos de Bolsonaro caso ele decida fazer um pedido semelhante ao dela em qualquer embaixada estrangeira em Brasília no futuro.

Há antecedentes nessa direção: quando o Supremo apreendeu o passaporte de Bolsonaro, em março de 2024, impedindo-o de deixar o país, o ex-presidente entrou na Embaixada da Hungria em Brasília, onde esteve hospedado por dois dias. Se tivesse recebido uma ordem de prisão preventiva naquele momento, Bolsonaro já estaria, na prática, gozando do que se chama no direito internacional de asilo diplomático, mesmo benefício do qual gozou a peruana Heredia na Embaixada do Brasil em Lima esta semana.

Oito meses depois, quando questionado sobre o assunto pelo UOL, em 28 de novembro de 2024, Bolsonaro, que à época havia negado interesse no asilo húngaro, matizou sua posição: "Embaixada, pelo que eu vejo na história do mundo, né, quem se vê perseguido pode ir para lá". O ex-presidente indicou, portanto, estar informado dessa possibilidade.

O asilo de fato existe no Direito e pode ser concedido por presidentes a qualquer um, sem grandes justificativas legais. É basicamente uma decisão de caráter político, frequentemente revestida de justificativas jurídicas ou humanitárias. Como não requer nenhum embasamento argumentativo, basta que o chefe de Estado decida conceder essa proteção a alguém para que ela se efetive.

Lula, por exemplo, decidiu fazê-lo no contexto de uma condenação judicial ligada a desdobramentos da Lava Jato. Ele mesmo teve suas penas anuladas no Brasil. A Lava Jato foi enterrada por aqui, mas as investigações sobre o caso tiveram seguimento em muitos outros países da região, incluindo o Peru, onde culminou com a condenação de Heredia e do marido dela, Ollanta Humala. É provável que o presidente brasileiro considere estar mitigando os efeitos negativos no exterior de uma investigação judicial que acabou politizada e anulada no Brasil, mesmo que os argumentos públicos tomem uma direção humanitária, pois Heredia tem câncer e espera receber tratamento médico em São Paulo.

Heredia e Humala foram condenados a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro num caso que envolve a destinação de recursos da empreiteira brasileira Odebrecht para as campanhas políticas de 2011 e 2006.

O asilo foi concedido depois que a ex-primeira-dama peruana entrou na Embaixada do Brasil em Lima, para evitar sua captura e o cumprimento da pena. O marido dela, Humala, está preso numa base policial construída especialmente para abrigar líderes políticos condenados nos recentes anos de turbulência e escândalos que têm marcado a história do Peru. Heredia, no entanto, conseguiu evitar o mesmo destino pedindo proteção a Lula.

Ela e o filho obtiveram salvo-conduto do governo do Peru para saírem da Embaixada do Brasil num voo com destino a São Paulo. A aeronave da FAB (Força Aérea Brasileira) aterrissou ontem de manhã na capital paulista, afastando definitivamente qualquer possibilidade de que ela seja alcançada pela Justiça de seu país para cumprir a pena.

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Nada impediria que o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, oferecesse abrigo semelhante a Bolsonaro, pois o alto grau de discricionariedade do instrumento do asilo permite decisões por afinidade ideológica ou qualquer outra, sem grandes justificativas. Orbán é um dos expoentes da extrema direita populista. Recentemente, recebeu na capital, Budapeste, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu. Como a Hungria é membro do TPI (Tribunal Penal Internacional), Orbán estaria obrigado a ordenar a prisão de seu homólogo israelense e deportá-lo para Haia, onde pesa contra Netanyahu uma ordem de prisão pelo uso da fome como método de guerra na Faixa de Gaza. Em vez disso, Orbán recebeu o premiê israelense com honras de chefe de governo e anunciou que vai retirar a Hungria do TPI. O caso mostra até onde o líder húngaro pode ir para dar proteção a seus aliados internacionais.

Em tese, qualquer outro líder internacional poderia fazer o mesmo, incluindo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o argentino Javier Milei.

Embora seja altamente político, o asilo é um instrumento regulado por documentos internacionais como a Convenção de Asilo Diplomático assinada em Caracas, em 1954, e a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

A tradição política dos países do Cone Sul é a de aceitar uma espécie de fast track - faixa prioritária ou lista VIP - para solicitantes desse tipo de proteção internacional. O asilo é concedido de forma mais desimpedida quando comparada aos pedidos de refúgio - um instrumento que requer a prova da existência de um fundado temor de perseguição e que depende de análises demoradas de órgãos colegiados para ser outorgado — no caso do Brasil, análise do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados). Para o asilo, basta que alguém entre numa embaixada ou consulado e diga querer essa proteção. Se ela for concedida, é válida. Depois, a extração do país depende de negociações de salvo-conduto com as autoridades locais.

No caso de Heredia, o salvo-conduto foi concedido em poucas horas. Já no hipotético caso de Bolsonaro, é imprevisível, porque embora o Executivo, incluindo o Itamaraty, e o Supremo possam se opor à concessão de uma autorização para que ele possa deixar o país, é preciso lembrar que o Congresso Nacional vem gestando um projeto de anistia que poderia reforçar os argumentos a favor da extinção das penas e do não cumprimento das sentenças, o que pode inclusive liberar passaportes apreendidos.

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*João Paulo Charleaux é jornalista, escritor e analista político, autor de "Ser Estrangeiro - Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História".

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