Rudzit: Ocidente como conhecíamos morreu, e mundo entra na lei da selva

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Em 2012, Ian Bremmer e Nouriel Roubini afirmaram no livro "Every Nation for Itself, Winners and Losers in a G-ZERO World" (Cada Nação por Si Mesma, ganhadores e perdedores em um mundo G-Zero, em tradução livre) que, na realidade de então, nenhum país sozinho ou grupo de países conseguiria reformar a Ordem Internacional —o que aconteceu ao fim das guerras napoleônicas, da 1ª Guerra, da 2ª Guerra e no pós-Guerra Fria.
Em vez da estabilidade, a instabilidade era o novo normal de Ordem Internacional, já que nem G7, Brics ou G20 conseguiriam trazer respostas para o sistema financeiro internacional, o sistema comercial internacional, o sistema multilateral de não proliferação nuclear e o aquecimento global.
Em dezembro de 2022, Yuval Harari escreveu um artigo questionando se teríamos vivido o fim da Era da Paz e entrado em uma nova Era da Guerra. Era da Paz foi o período pós-Guerra Fria, quando a chance de uma pessoa dos países desenvolvidos morrer em uma guerra era praticamente nula.
Mas que, se o presidente da Rússia, Vladimir Putin, fosse bem-sucedido na guerra contra a Ucrânia, a volta do uso da força e a anexação de território seria a nova realidade.
Em janeiro de 2025, Bremmer diz, pela primeira vez, que o mundo estaria voltando à Lei da Selva, quando as barreiras ou regras de proteção (guardrails), que mantiveram a paz desde o fim da 2ª Guerra, se desfazem.
Isto seria o resultado do enfraquecimento do multilateralismo e o fortalecimento do nacionalismo —fenômeno que começa em 2016, se intensifica na pandemia e agora domina com a volta do presidente Donald Trump ao poder nos Estados Unidos.
Se até o ano passado era possível falar em um Ocidente, representado pelo G7 e pela Otan, agora esta certeza não existe mais.
As falas do vice-presidente, JD Vance, na Conferência de Munique e do secretário de defesa, Pete Hegseth, na Otan, deixaram claro que os EUA não veem mais a Europa como um interesse estratégico. Vance foi mais longe: vê os dois lados do Atlântico com valores diferentes.
Fim do Ocidente como conhecíamos
A sequência do bate-boca entre Trump e Zelensky no salão oval, em 28 de fevereiro; a reunião em Londres da chamada Coalition of the Willing (Coalizão dos Dispostos), em 2 de março; e a reunião em Riad entre EUA e Rússia para negociação de paz na Ucrânia marcaram o fim do Ocidente como conhecíamos.
Putin se sente confiante o suficiente para não negociar (sequer pensar) seriamente qualquer acordo de cessar-fogo e continuar a fazer operações híbridas contra países europeus.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu segue com suas operações militares em Gaza apesar das condenações até mesmo de governos europeus, tradicionais aliados de Israel.
O primeiro-ministro Narendra Modi continua a escalada militar da Índia, que só recuou devido ao revés sofrido no Paquistão, que tornou-se mais preparada com o apoio da China.
O governo da China também faz exercícios militares navais para deixar explícito que se prepara para uma "unificação" à força com Taiwan e para seguir com as disputas territoriais com Filipinas e Vietnã, no Mar do Sul da China, e Japão, no Mar Amarelo.
O regime de Nicolás Maduro se prepara para anexar 5/8 do território da Guiana (a região de Essequibo) colocando tropas e equipamentos militares na fronteira da Venezuela e faz eleição na chamada Província de Guiana Essequiba, "formalmente" anexada em dezembro de 2023.
Por outro lado, a sangrenta guerra civil do Sudão segue sem mobilização internacional ou cobertura da mídia ocidental, com militares rachados e mais de 150 mil 000 mortos até agora.
Desde a queda e morte de Muammar Gaddafi, em 2011, na esteira da chamada "Primavera Árabe", a Líbia está mergulhada em uma guerra civil —o número de mortes varia entre 10 mil e 30 mil, dependendo da fonte.
Portanto, o ataque israelense ao Irã, que estava desrespeitando acordos estabelecidos com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), não deveria pegar ninguém de surpresa.
A ação já era esperada há anos, e a nova realidade da estrutura do sistema internacional favoreceu a iniciativa.
Goste-se ou não, a presença militar americana nas diferentes regiões do planeta trouxe uma certa estabilidade. Mas, no novo governo Trump, não há mais uma definição clara dos interesses americanos, então vários estados vão testar quais são eles.
Com isso, a instabilidade passará a ser o novo normal, assim como as guerras —algo que algumas gerações acreditaram que havia deixado de existir após o fim da Guerra Fria.
Bem-vindos à lei da selva.
* é professor de relações internacionais da ESPM, especialista em segurança internacional e ex-assessor do Ministério da Defesa.
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