O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) foi aliado de Cabral nas eleições e pretende repetir a aliança com o PMDB na eleição para a Prefeitura do Rio em 2012
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), cometeu uma sequência de erros e deu “declarações infelizes” que agravaram a crise causada pela reivindicação salarial dos bombeiros, afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) em entrevista ao UOL Notícias. “Aquela prisão de 439 bombeiros tinha tudo pra virar o que virou: um ato de comoção”, disse.
Apesar de ter sido aliado de Cabral nas eleições 2010 –e pretender repetir a aliança na eleição para a Prefeitura do Rio em 2012–, o senador critica o governador por exageros na repressão ao movimento dos bombeiros e outros protestos. “O governador Sérgio Cabral é muito habilidoso para fazer política com o pessoal da política, com os prefeitos. Tem que ser habilidoso também com os movimentos.”
Ex-líder estudantil, Farias afirmou também que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), adversário político do PT, não empregou métodos de repressão iguais aos de Cabral, aliado do PT. Sobre a relação entre governo e oposição, disse que a carta enviada pela presidente Dilma para desejar feliz aniversário e elogiar a gestão de FHC abre caminho para PT e PSDB discutirem “de forma mais civilizada”.
Lindbergh Farias tem 41 anos e cumpre seu primeiro mandato no Senado. Nasceu em João Pessoa, foi presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) de 1992 a 1993 e liderou o movimento dos caras pintadas, contribuindo para o impeachment de Fernando Collor (PTB-AL) –hoje seu colega no Senado. Duas vezes deputado federal e uma vez prefeito de Nova Iguaçu (RJ), filiou-se ao PT em 2001. Antes, foi do PCdoB e do PSTU.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Lindbergh Farias:
UOL Notícias: O senhor se posicionou pela libertação dos bombeiros [presos após invadir o quartel central da corporação], contrariando a postura do governador Sérgio Cabral (PMDB) que foi seu aliado nas eleições 2010. Isso é um sinal de oposição?
Lindbergh Farias: Tenho uma boa relação com o governador Sérgio Cabral. Estamos nesta batalha dos royalties [do petróleo] tentando defender os interesses do Estado do Rio de Janeiro. Mas acho que ali [no movimento por aumento salarial dos bombeiros] o governo do Estado se equivocou em vários momentos. Era para ter negociado lá atrás, ter recebido o movimento. E se equivocou depois também, na prisão dos 439 bombeiros. As declarações do governador também não ajudaram.
UOL Notícias: O senhor achou as declarações truculentas?
Farias: Foram declarações infelizes. Isso criou um clima muito ruim. Tem um projeto meu aqui no Senado que deve ser aprovado na próxima semana, que fala da anistia aos bombeiros. Esse é um ponto fundamental para a construção do acordo no Rio. Claro que vai para a presidente [Dilma Rousseff] depois, mas aqui no Senado o clima é muito favorável [à anistia]. Essa é uma das formas de ajudar na construção de uma saída. Os bombeiros querem duas coisas: negociação salarial e anistia. Acho que o governador está entendendo que agora o caminho é construir uma saída negociada. O governador demorou, mas entendeu isso.
UOL Notícias: O que o senhor pensa do salário atual dos bombeiros [cerca de R$ 1.200 inicial]?
Farias: é o pior salário do Brasil. Mas tinha espaço para negociar com eles. Organizar um plano de médio e longo prazo. Acho que faltou isso. O governador Sérgio Cabral é muito habilidoso para fazer política com o pessoal da política, com os prefeitos. Tem que ser habilidoso também com os movimentos. Se tivesse tido paciência naquele caso da entrada no quartel, se não tivesse colocado o Bope, pela manhã o movimento se desfazia e ia atrás dos responsáveis. Foi uma sequência de erros que deixou o governador numa situação difícil, porque hoje não é só bombeiro. Tem uma greve dos profissionais de educação e os profissionais da saúde se movimentam também. Aquela prisão de 439 bombeiros tinha tudo pra virar o que virou: um ato de comoção.
UOL Notícias: O senhor é sempre lembrado como líder do movimento dos caras pintadas. Hoje em dia as condições para fazer manifestações são melhores do que no começo da década de 90?
Farias: A gente tem um período de lutas democráticas no país que vem depois da [lei de] anistia, na década de 80, as Diretas Já. É um período de grandes manifestações e muita liberdade. Teve um caso agora em uma manifestação contra o [presidente dos EUA, Barack] Obama em que houve um coquetel molotov contra a embaixada dos Estados Unidos, no Rio. Prenderam indiscriminadamente várias pessoas. Eu liguei para o governador Cabral por causa deste caso porque eu fiz tantas passeatas... Claro que não joguei coquetel molotov, nem isso está correto, mas [não pode] sair prendendo todo mundo. E fizeram algo que nunca houve na história recente do país: rasparam o cabelo de 21 militantes estudantes universitários, prenderam no presídio e botaram um garoto de menos de 18 anos na Febem. Na minha época, no governo Fernando Henrique Cardoso, eu era líder estudantil e era deputado, participei de movimentação contra as privatizações, entramos na bolsa de valores, nós invadimos ministérios. Eu, esse que vos fala, que hoje é senador, se tivesse essa prática [de prender e raspar o cabelo] na época do governo Fernando Henrique... [bate três vezes na mesa]. Tem algumas coisas que não dá. Teve exagero. Eu me vi ali na garotada. Eu estou com 41 anos, me vi 20 anos atrás.
Uma coisa que a gente não pode reclamar do governo dos tucanos é isso: o direito da manifestação. Isso eu reconheço. A gente fez tudo o que queria fazer, todas as manifestações que queria fazer. E houve paciência. Quem está no poder tem que ter tolerância, tem que ter paciência. O Lula manteve isso. Claro que o Lula teve muito menos manifestações contrárias do que na época Fernando Henrique Cardoso.
Mas a carta da Dilma para o Fernando Henrique Cardoso... Nós passamos 16 anos, oito do Fernando Henrique e oito do Lula, com oposição completamente intransigente, dura. A carta da Dilma abre caminho não para um acordo entre PT e PSDB, mas para discutirmos uma agenda nacional de forma mais civilizada. A postura de algumas lideranças tucanas, cito o caso do [senador] Aécio [Neves], tem uma lógica de diminuir aquele grau de confrontação política, estabelecer algumas pautas em comum... Pela primeira vez nós podemos estar criando esse clima aqui no Congresso. Essa carta da Dilma pro Fernando Henrique vai ter efeito.
UOL Notícias: Voltando a falar sobre o Rio: o que ocorre no filme “Tropa de Elite” é real?
Farias: Sou muito amigo do Marcelo Freixo [deputado estadual pelo PSOL], que está no filme [inspirou o personagem Fraga]. O Luiz Eduardo Soares [cientista político], que ajudou na construção da história toda, faz parte do meu gabinete. Está ajudando na discussão da segurança pública. Acho que sim, é um filme muito próximo da realidade. Todo mundo no Rio de Janeiro sabe que aquilo acontece.
UOL Notícias: Inclusive a rede em que uma ponta leva à outra, do estudante ao profissional liberal, ao político e ao empresário?
Farias: Eu acho que sim. Aquele é um filme que teve um papel fantástico e ajudou o Rio de Janeiro a refletir sobre vários temas. O Rio está avançando. Um avanço que houve no governo de Sérgio Cabral foram as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora]. As UPPs rompem a lógica de tratar as favelas como territórios inimigos, onde a polícia entra, sai dando tiro para tudo que é lado e depois sai. Ela [a polícia] assumir o território, como parte do Estado, é algo fundamental. Falta a segunda parte das UPPs, que são as políticas públicas e sociais integradas naquele território. E a discussão sobre se é possível levar as UPPs pra todas as comunidades do Rio de Janeiro. Aqui passa a ser uma discussão sobre a disponibilidade de recursos financeiros para isso. O governo federal [devia ajudar], pela importância do Rio de Janeiro, cidade estratégica para o país, todo mundo quando fala em Brasil fala em Rio de janeiro, com Olimpíadas e tudo mais, a construir um plano de universalização das UPPs no Estado do Rio de Janeiro. Esse é o caminho.
UOL Notícias: E nas eleições para a prefeitura do Rio em 2012?
Farias: Vamos apoiar o PMDB.
Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o governador Sérgio Cabral disse que não comentaria as críticas do senador Lindbergh Farias.