Viciado em loteria, vereador mais antigo de SP diz ganhar "uma miséria"

Marcelle Souza e Caio do Valle

Colaboração para o UOL, em São Paulo

  • Reinaldo Canato/UOL

    O vereador Wadih Mutran (PDT-SP), 80, mais antigo de São Paulo, vai tentar o 9º mandato

    O vereador Wadih Mutran (PDT-SP), 80, mais antigo de São Paulo, vai tentar o 9º mandato

Mais de três décadas na Câmara e, aos 80 anos, tenta chegar ao nono mandato como vereador na maior cidade do país. Wadih Mutran, que passou boa parte da carreira política no PP, partido do deputado federal e ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf, concorre neste ano pelo PDT, diz não pensar em se aposentar e reclama do salário de parlamentar.

"Se você analisar, o salário do trabalho de cada um, o trabalho que é feito e o que a pessoa faz, nosso salário é uma miséria, que é R$ 15 mil", disse.

Graças ao salário e à renda de imóveis que adquiriu quando ainda era proprietário de imobiliária, o vereador declarou nos últimos oito anos ter tido uma evolução patrimonial de 47% (já descontada a inflação do período), segundo os dados apresentados por ele à Justiça Eleitoral. Em 2008, os bens do parlamentar somavam R$ 3,2 milhões (valores corrigidos pelo IPCA). Neste ano, Mutran declarou possuir R$ 4,7 milhões em bens.

Segundo o parlamentar, a evolução é justificada com cinco prêmios que afirma ter ganhado na Loteria Federal. O Ministério Público Estadual suspeitou do patrimônio declarado e abriu uma investigação para apurar suposto enriquecimento ilícito. O procedimento está sob sigilo, segundo a Promotoria.

Mutran nega irregularidades e mostra os canhotos dos pagamentos da Caixa Econômica. A estante do escritório onde recebeu a reportagem do UOL, na Vila Maria, seu reduto eleitoral, tem escaninhos recheados de canhotos. Ele diz que aposta nos mesmos números semanalmente.

"Na vida, a gente tem um problema que se chama vício. Eu tenho vício. Em vez de beber, eu compro bilhete [de loteria]", afirma.

Segundo o vereador, a "fama de sortudo" chamou a atenção de criminosos. Ele conta que sua casa foi alvo de três assaltos. O filho de Mutran, Ricardo Jorge, que já concorreu a uma vaga de deputado estadual, foi sequestrado em 2006 e passou cerca de um mês em um cativeiro. Os sequestradores o libertaram espontaneamente. O pedido de resgate de R$ 3 milhões não foi pago, segundo o político.

Reinaldo Canato/UOL
Pessoas recebem atendimento no escritório de Mutran, na zona norte

Estratégia eleitoral

Em seu escritório, Mutran recebe quatro vezes por semana potenciais eleitores em busca de recolocação profissional, de solução para problemas para o bairro e até de cadeiras de rodas --"emprestadas", não doadas, segundo o vereador.

"Ele tem um bom atendimento e todo o mundo por aqui sabe do papel dele na saúde, com cadeiras de rodas e muletas. Ele consegue e por isso estou aqui. Não é demagogia. É minha última esperança", diz a professora Izildinha Braz, 56, que foi ao escritório para reclamar do abandono de uma praça.

Segundo Mutran, os atendimentos no bairro da Vila Maria, feitos de segunda a quinta, das 8h às 11h, toda semana, ajudam a garantir o "título" de vereador mais antigo da Câmara paulistana.

Além de vários pôsteres com o nome e a cara de Mutran e de seu filho Ricardo --resquícios de velhas campanhas--, o escritório tem ao menos dois funcionários pagos com verba de seu gabinete.

Quem vai ao escritório tem à disposição um sofá e algumas cadeiras estofadas na sala de espera, onde também há um bebedouro. Quando chegam pela primeira vez, os potenciais eleitores são convidados por um funcionário a preencher um cadastro, com nome, endereço e telefone, informações que depois são usadas na mala direta postal de Mutran.

O vereador conta que tem "mais ou menos 130 mil" fichas preenchidas à mão por cidadãos que o visitaram nas últimas décadas com algum pedido. "Nem a metade [deles] lembra aquilo que Wadih Mutran fez", diz.

"Estou desempregada há dois anos e vim ver se ele poderia ajudar com alguma indicação", diz Sônia Rodrigues, 57, projetista industrial de formação.

Mutran afirma que apenas indica as pessoas que o procuram para empresas que precisam de mão de obra.

Na parede do escritório também há fotos de seis ambulâncias com seu nome estampado na lataria, que agora estão sem uso por conta da lei eleitoral.

"Tá tudo lá parada, com pneu murcho, pó, poeira... Eu estava ajudando, quantos coitados aí que não têm como ir para hospital", diz o vereador.

Mutran diz não se lembrar do projeto mais importante da carreira de vereador. "Tenho muitos", afirma. Atualmente, de sua autoria exclusiva, tramitam projetos de lei para dar nome a logradouros e conceder títulos honoríficos a figuras como um cartola do Corinthians, um jornalista esportivo e um empresário do ramo de logística.

Reinaldo Canato/UOL
O 'quartel-general' é enfeitado com condecorações e imagens religiosas

Suplente

O tempo no cargo, as benesses e os parceiros na área (clubes, igrejas, comerciantes, lojas maçônicas) não foram suficientes para que Mutran conquistasse os votos necessários para garantir uma vaga nas eleições de 2012.

Pela primeira vez na carreira, amargou uma derrota, que atribui à traição política. "Faltaram 300 votos, mas eu assumi imediatamente. Propriamente não houve a derrota", diz Mutran.

De fato, voltou ao cargo como suplente na vaga de Eliseu Gabriel (PSB), que se afastou para assumir a Secretaria do Trabalho de Fernando Haddad (PT). Com o retorno de Gabriel à Câmara, em março de 2014, perdeu a cadeira, mas voltou meses depois para ocupar a vaga de José Américo (PT).

Tudo graças ao coeficiente eleitoral, mecanismo que permite aos suplentes de partidos coligados preencher a vaga de vereadores licenciados para outros cargos.

Sempre situação

Mutran diz nunca ter feito oposição a nenhum governo desde que assumiu a cadeira pela primeira vez no Legislativo municipal, em 1983. Para ele, Paulo Maluf é o prefeito que fez "mais obras" em São Paulo".

O vereador diz se orgulhar de nunca ter feito oposição no Legislativo e sempre ter apoiado o prefeito em exercício, seja de que partido fosse. O vereador já alternou também de partido, PMDB, PFL e DEM, além do PP e do PDT, onde está no momento.

"A oposição deve trabalhar querendo corrigir os defeitos do prefeito, não é votar contra o projeto do prefeito, você entendeu? Se o projeto é bom, por que votar contra? Por isso que eu sempre estive ao lado do prefeito, votando de acordo com o que é bom para a cidade de São Paulo."

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