Faltam limites claros, não vou me arriscar a ir preso, diz marqueteiro

Aiuri Rebello

Colaboração para o UOL, em São Paulo

  • Bruno Santos/Folhapress

    O publicitário André Torretta, que desistiu de participar de campanhas neste ano

    O publicitário André Torretta, que desistiu de participar de campanhas neste ano

Autor do livro "Como Ganhar Seu Voto?" (editora Signer, 2003), o publicitário André Torretta atua há mais de 20 anos no ramo do marketing político. Pesquisador do comportamento de consumidores e eleitores, ele afirma que há uma tentativa de criminalizar o marketing político como bode expiatório da corrupção no país.

"Do jeito que está, parece que a causa da corrupção governamental no Brasil são as campanhas, o que é absolutamente ridículo", diz o marqueteiro, que já comandou campanhas para o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin, e para o senador maranhense José Sarney (eleito três vezes consecutivas pelo PMDB), entre outras.

Nas eleições passadas, Torretta comandou duas campanhas estaduais ao mesmo tempo no Norte, mas neste ano decidiu não trabalhar. Leia a seguir a entrevista:

UOL - Por que o sr. decidiu não pegar nenhuma campanha neste ano?
Torretta -
Dei algumas consultorias na pré-campanha, mas neste ano temos uma mudança na legislação que deixa todo mundo inseguro. Não é uma questão só de moralidade, mas também de legalidade. Não está muito claro o que é legal, o que é ilegal, será um experimento. Não vou arriscar minha empresa, minha reputação, a ir preso até, sem saber o que fiz de errado, como me parece ser o que pode acontecer agora.

Haverá uma judicialização muito grande das campanhas e os responsáveis pelos projetos devem ficar muito atentos. Outra questão é a limitação de recursos: um pacote de pesquisas qualitativas durante uma campanha, por exemplo, custa aí por baixo R$ 300 mil, R$ 350 mil. Isso em preço de mercado. Se alguma empresa quiser um serviço parecido sobre algum produto, vai pagar a mesma coisa. Deixar de fazer isso torna uma campanha mais barata, mas também muito menos eficiente.

Não tem nada de ilícito em um político querer entender melhor o eleitorado dele e lançar mão de ferramentas disponíveis para tal. Inclusive para fazer uma gestão pública mais eficiente. O que está colocado é de certa forma perigoso para a democracia.

Eu acho que neste ano vai ter muita gente presa com a legislação do jeito que está, e não é porque é bandido, é porque não está claro o que pode e o que não pode

André Torretta, publicitário

Na sua opinião, a legislação eleitoral anterior era melhor?
Claro que não, as regras eram ruins, mas esta emenda não resolveu. Eu sou a favor da doação de empresas. Do jeito que está, a regra prejudica apenas o candidato pequeno, sem recursos, e estimula o caixa dois, a negociata. Sem dinheiro não tem pesquisa, mas os ricos vão continuar a fazer. Isso só vai aumentar o abismo entre as candidaturas, quando o objetivo era nivelar.

Eu não fui ouvido durante a elaboração das leis novas, não conheço nenhum publicitário que tenha sido ouvido. Nos anos 1990, foi proibido o showmício e foi ótimo para todo mundo, principalmente para o eleitor. Acredito que essa lei vai ter que ser ajustada antes das próximas eleições.

O marketing político é uma ferramenta da democracia, serve para informar e não desinformar. Existe em todas as democracias do mundo.

As campanhas no Brasil são superdimensionadas?
Acho que sim, mas fazer televisão é caro, mesmo campanha na internet é caro. É uma coisa que tem de ser discutida. A discrepância, a pirotecnia, tem que acabar. É um erro, uma distorção de finalidade. O marketing não pode ser o protagonista no lugar da política. O problema é que as mudanças foram feitas sem tempo de adaptação e sem discussão.

O que o sr. acha da afirmação de João Santana de que 98% das campanhas no Brasil usam caixa dois?
Caixa dois e dinheiro de corrupção são fácil resolver, é questão de polícia. Quem trabalha errado, pega dinheiro torto, tem que ir preso. A pergunta que faço é: por que demorou tanto para isso acontecer? O publicitário faz o trabalho dele e quer receber por isso, como qualquer profissional. A iniciativa e a pressão para receber por fora e tal não são do profissional, são dos políticos.

Quando o cara cai nessa armadilha, se endivida inteiro para fazer o trabalho e chega ao limite, acaba aceitando receber do jeito que quiserem pagar. De certa forma, a restrição de recursos nas campanhas acaba estimulando esse mecanismo e quem não estiver atento cai nessa roubada.

Outro problema é quando existe o erro, falta de limites claros. Com no mínimo umas 15 mil campanhas a prefeito de diversos tamanhos neste ano, vai ter muito constrangimento eleitoral ou vão jogar para baixo do pano, o que é pior. A parte boa disso tudo é que vai dar uma chacoalhada nas campanhas eleitorais, forçar a criatividade. Pelo menos é isso que eu espero.

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