Um em cada quatro vereadores de Porto Alegre tem problemas com a Justiça

Flávio Ilha

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

  • Arte UOL

    A partir da esq., o presidente da Câmara de Porto Alegre, Cássio Trogildo (PTB), o primeiro vice-presidente, Guilherme Socias Villela (PP), e o segundo vice, Delegado Cleiton (PDT)

    A partir da esq., o presidente da Câmara de Porto Alegre, Cássio Trogildo (PTB), o primeiro vice-presidente, Guilherme Socias Villela (PP), e o segundo vice, Delegado Cleiton (PDT)

Pelo menos dez vereadores entre os 36 que compõem o Poder Legislativo de Porto Alegre, alguns deles candidatos à reeleição, respondem a processos na Justiça comum ou na Justiça Eleitoral.

Entre eles, estão o presidente da Câmara, Cássio Trogildo (PTB), o primeiro vice-presidente, Guilherme Socias Villela (PP), e o segundo vice, Cleiton Silvestre Munhoz de Freitas (PDT), conhecido como Delegado Cleiton.

Outros sete casos envolvem vereadores da base de apoio do governo municipal, incluindo o líder da maioria, Kevin Krieger (PP), condenado a devolver R$ 130 mil aos cofres estaduais por má gestão na Fasc (Fundação de Assistência Social e Cidadania) durante o exercício fiscal de 2014. A condenação está em fase de recurso.

O UOL fez uma busca pelos portais de acesso aos processos eletrônicos do TJ (Tribunal de Justiça) do Rio Grande do Sul e da Justiça Eleitoral para obter os registros. Nem o TJ nem a Justiça Eleitoral quiseram comentar os resultados, dizendo que os casos ainda não transitaram em julgado e, portanto, não têm sentença definitiva. Os parlamentares negam irregularidades.

Presidente cassado, mas com mandato

A citação mais grave envolve o presidente de Câmara, cassado em 2013 pelo TRE por compra de votos e abuso de poder econômico na eleição do ano anterior. O vereador Cássio Trogildo se manteve no cargo devido a uma liminar do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e foi eleito presidente em janeiro por acordo de líderes. Nem a anulação da escolha pela Justiça, em agosto, conseguiu afastá-lo do cargo. Não há previsão para o julgamento do mérito pelo TSE.

Em 2012, o Ministério Público Eleitoral ingressou com uma ação contra Trogildo acusando a utilização da estrutura da Secretaria de Obras para a compra de votos. Segundo a denúncia, amparada em escutas de conversas do vereador com um delegado do Orçamento Participativo, Trogildo condicionava a colocação de asfalto e iluminação pública em bairros de Porto Alegre à votação em seu nome pelos eleitores da comunidade.

Divulgação/Guilherme Almeida/Câmara de Porto Alegre
O parlamentar sempre negou as acusações, o que não impediu que fosse cassado por unanimidade pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral). O Ministério Público afirma que o vereador fez uso indevido da estrutura da Secretaria de Obras por pelo menos cinco vezes quando estava licenciado do cargo de secretário para concorrer em 2012. A defesa do vereador recorreu e obteve uma liminar suspendendo os efeitos da decisão.

Irregularidades negadas

Uma das provas usadas no processo mostra que as máquinas da prefeitura começaram a asfaltar ruas no bairro Rubem Berta, zona norte da capital, dois dias depois da reunião em que Trogildo foi gravado em uma escuta negociando votos da comunidade --ele diz que a gravação não prova nada e foi tirada do contexto. O vereador também foi acusado de pavimentar uma estrada que dá acesso a um terreno de sua propriedade, na zona sul de Porto Alegre.

O vereador e presidente da Câmara justificou, em nota, que está no "pleno exercício do mandato" e que, portanto, pode ser eleito para qualquer função no Parlamento. "A escolha do presidente é soberana dos vereadores, que estão no mandato por serem diplomados pelo próprio Poder Judiciário através da Justiça Eleitoral", afirmou. Também negou as acusações e disse acreditar "na democracia, no Poder Judiciário, na independência dos Poderes e no contraditório das opiniões".

Estrada que não saiu do papel

O primeiro vice-presidente da Câmara, Guilherme Socias Villela (PP) consta como réu num processo envolvendo sua gestão como presidente da Agergs (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados a Terceiros), em 2010. O caso se refere à licitação internacional, suspensa por liminar, da construção de uma rodovia na região metropolitana por meio de parceria público-privada. A rodovia não saiu do papel.

Segundo a Justiça, o edital continha "irregularidades flagrantes", como a antecipação de investimentos públicos antes de a rodovia ser disponibilizada para os usuários. O governo estadual teria de arcar com custos de R$ 1,66 bilhão para construir a estrada, além de garantir exploração comercial aos empreendedores privados, em quatro pontos de pedágio, por um período de 35 anos.

O caso tramita na 2ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre e tem como réus outros agentes públicos, entre eles a ex-governadora Yeda Crusius (PSDB). Ex-prefeito de Porto Alegre nomeado pela ditadura militar por dois mandatos (em 1975 e em 1983), Villela também foi acusado de tentar impedir as investigações da CPI do Pedágios em 2007. 

Procurado pela reportagem do UOL, o vereador disse que nunca foi notificado judicialmente e que não será candidato à reeleição.

E-mail da polícia na campanha?

O segundo vice-presidente da Câmara, Delegado Cleiton (PDT), foi acusado pelo Ministério Público Eleitoral de utilizar o endereço eletrônico funcional para fazer divulgação da própria candidatura em 2012. O promotor Mauro Rockenbach, autor da representação, destaca que foram enviados e-mails aos colegas de trabalho por intermédio de computadores da Polícia Civil. A Justiça considerou improcedente o pedido, mas o MP recorreu da decisão.

A assessoria do parlamentar informou que a Justiça Eleitoral deferiu a candidatura do vereador e que, portanto, "não há nenhuma pendência" em relação ao Delegado Cleiton. Alega ainda que o vereador não foi notificado do recurso impetrado pelo MP.

No final do ano passado, a bancada do PT, a partir de uma sugestão da vereadora Sofia Cavedon, protocolou um projeto na Câmara estabelecendo a necessidade de ficha limpa para que qualquer parlamentar assuma um cargo na Mesa Diretora. A proposta deve ser votada em 2016 no plenário e, se aprovada, valerá para as futuras direções da Casa.

Outros casos

Divulgação
Cláudio Janta (SD) - É réu na Justiça comum devido a um acidente de trânsito em 2010. Foi condenado em 2014 a pagar uma indenização de R$ 50 mil às vítimas, mas recorreu da decisão. O processo está em andamento. Por meio da assessoria, alega inocência. 

Na Justiça Eleitoral, três processos tramitam contra Janta. Em 2014, foi candidato a deputado federal, mas teve os 45 mil votos cassados (não chegou a ser eleito) por dívidas oriundas de multas com a Justiça Eleitoral. O TRE e TSE (por liminar) cassaram o registro da candidatura, mas o pleno do TSE devolveu os votos à coligação em novembro de 2014. 

Leonardo Contursi/CMPA
Dr. Thiago (DEM) - Acusado em 2013, quando era presidente da Câmara dos Vereadores, de atender pacientes do SUS por meio de consultas marcadas pelo seu escritório político, em consultórios particulares ou em UBS (Unidades Básicas de Saúde) fora de sua área de atuação e utilizando receituário exclusivo da rede pública. Foi denunciado pelo Conselho Municipal de Saúde. O Ministério Público Eleitoral ainda investiga o caso.

No mesmo ano, foi condenado pela Justiça Eleitoral por propaganda irregular na campanha do ano anterior. Mesmo tendo removido a propaganda irregular, foi multado e ingressou com recurso contra a decisão. Alega que atendia em consultórios particulares devido à "péssima ação da Secretaria Municipal da Saúde".

Divulgação
João Bosco Vaz (PDT) - Foi citado nas planilhas da Odebrecht em março deste ano como beneficiário de R$ 20 mil em doações da Braskem. Alega que o TRE aprovou suas contas de campanha, mas o caso está sendo investigado no âmbito da Lava Jato com autorização do STF. Não há certeza se as doações registradas nessa planilha são legais ou ilegais. A PF ainda investiga.

Ederson Nunes/Divulgação
Kevin Chaves Krieger (PP)Também citado nas planilhas da Odebrecht, foi condenado pelo Tribunal de Contas do Estado em primeira instância em 2015 a devolver R$ 130 mil aos cofres estaduais por má gestão na Fasc durante o exercício fiscal de 2014. O processo está em fase de recurso. O UOL ligou e enviou e-mail para seu gabinete nos dias 9, 13 e 26 de setembro. Sua assessoria recebeu os questionamentos, mas não os respondeu. Não há certeza se as doações registradas nessa planilha são legais ou ilegais. A PF ainda investiga.

Guilherme Almeida/Divulgação
Márcio Ferreira Bins Ely (PDT) - Denunciado em 2015 pelo Ministério Público Estadual por falsificação de documentos públicos. Conforme a denúncia do promotor Flávio Duarte, o vereador passou a exigir --quando era secretário municipal do Planejamento-- que as DMs (Declarações Municipais Informativas das Condições Urbanísticas de Ocupação do Solo) passassem por ele, tendo inclusive a sua assinatura.

Com o acúmulo de processos, o gabinete passou a "falsificar" as assinaturas, segundo a denúncia. O vereador virou réu em abril deste ano em processo que tramita na 11ª Vara Criminal de Porto Alegre. O UOL ligou e enviou e-mail para sua assessoria nos dias 9, 13 e 26 de setembro. Foram recebidos os questionamentos, mas não houve resposta.

Jornal do Comércio
Mario Manfro (PTB) - Foi alvo de um mandado de busca e apreensão em setembro devido a uma investigação do Ministério Público sobre suposta cobrança de "caixinha" para ocupantes de cargos em comissão. As buscas se estenderam para a casa e também para o consultório do vereador, que é dentista. As cobranças, segundo o MP, atingiam funcionários do gabinete e de outros órgãos públicos comandados pelo partido. Cada comissionado tinha que repassar R$ 300 para o vereador, de acordo com a investigação.

Manfro foi procurado pela reportagem do UOL, mas não quis comentar. Contudo, afirmou em uma página de uma rede social que é alvo de adversários políticos que tentam barrar sua candidatura à reeleição. Ele disse também nessa ocasião que ficou "surpreso e indignado" com a ação do MP. O vereador se colocou à disposição da Justiça para esclarecer a denúncia.

Jonathan Heckler/Divulgação
Mauro Cesar Zacher (PDT) - Citado como beneficiário de recursos da Odebrecht, é réu em dois processos. Foi condenado em 2011 a pagar R$ 125 mil, mais as custas do processo, por inadimplência junto a uma instituição de ensino superior de Porto Alegre. O caso tramita na 7ª Vara Cível que, até o final de agosto, não havia sido notificada do ressarcimento.

Desde 2013, é réu na 1ª Vara Federal Criminal em processo que investiga fraudes no ProJovem em Porto Alegre. É acusado de três dispensas irregulares de licitação e, com outros réus, pelo desvio de R$ 2,6 milhões quando era secretário municipal da Juventude entre 2005 e 2007. Foi presidente da Câmara na gestão de 2012.

A defesa de Zacher informou que o recurso à cobrança efetuada pela entidade de ensino foi derrubado na segunda instância por prescrição de prazo. Com relação ao processo do ProJovem, afirmou que a dispensa de licitação foi decidida pela Procuradoria-Geral do Município, e não pelo vereador, e que, em 11 anos como réu, nunca foi ouvido pela Justiça. Sobre a lista da Odebrecht, não há certeza se as doações registradas nessa planilha são legais ou ilegais. A PF ainda investiga.

Divulgação
Pablo Fraga Mendes Ribeiro (PMDB) - Foi citado nas planilhas da Odebrecht em março deste ano como beneficiário de doações da Braskem. Alega que o TRE aprovou suas contas de campanha, mas o caso está sendo investigado no âmbito da Lava Jato com autorização do STF.

A lista da Odebrecht que vazou em  março deste ano na 23ª fase da Operação Lava Jato é a maior relação de políticos e partidos associada a pagamentos de uma empreiteira até agora. Nas planilhas encontradas pela Polícia Federal figuram pagamentos para mais de 300 políticos de 18 partidos, dentre os quais o Rio Grande do Sul figura com quase um sexto dos citados. 
 
Há menção a 47 gaúchos, que foram candidatos nas eleições de 2012 (prefeito ou vereador), 2010 e 2014 (deputado estadual, deputado federal, senador ou governador) --entre eles os três vereadores de Porto Alegre listados acima. 
 
Não é possível saber, porém, se os pagamentos são doação eleitoral ou propina. Mesmo que não estejam na prestação de contas registrada pelo Tribunal Superior Eleitoral, é possível que sejam as chamadas "doações ocultas", ou seja, repasses feitos aos partidos de forma legal, que depois se destinam aos candidatos. A Polícia Federal ainda investiga as doações, ocultas sob a forma de codinomes.

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