Jeito falastrão, títulos e dívidas: como Kalil foi de cartola a prefeito
Pedro Lopes
Do UOL, em São Paulo
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Mariela Guimarães/O Tempo/Estadão Conteúdo
Alexandre Kalil (PHS), ex-presidente do Atlético-MG, foi eleito prefeito de Belo Horizonte
Presidente do Atlético-MG durante a conquista da Libertadores em 2013 e um dos dirigentes mais polêmicos do futebol brasileiro nos últimos anos, Alexandre Kalil (PHS) é também, agora, prefeito de Belo Horizonte (MG). Neste domingo, ele venceu o adversário João Leite (PSDB), que coincidentemente também fez história no clube mineiro, como goleiro.
O ex-cartola conseguiu a missão de comandar uma das capitais mais importantes do país logo em sua primeira tentativa de se eleger para um cargo político. A candidatura --e a eleição-- de Kalil vêm na esteira do sentimento antipolítico que tem tomado conta do país.
A exemplo de João Doria (PSDB), eleito prefeito em São Paulo, o nome de Kalil foi apresentado como o de um gestor estranho à classe política e dono de resultados em outras áreas. O PHS viu no ex-dirigente esportivo amplamente conhecido um chamariz de votos, previsão que se concretizou.
A mesma trajetória como cartola que credenciou Kalil a buscar entrada na política pode servir de prévia do que se esperar dele no poder executivo. A gestão agressiva no Atlético-MG teve resultados positivos em campo, mas consequências sérias fora dele, principalmente financeiras.
O jeito boquirroto de ser fez com que as palavras do então presidente muitas vezes saíssem mais rápido do que quaisquer fatos ou argumentos que pudessem embasá-las, criando falsas promessas e até gafes históricas.
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Gestão no Atlético-MG teve títulos e dívidas
Filho de Elias Kalil, que presidiu o Atlético entre 1980 e 1985, o novo prefeito de BH começou seu caminho no vôlei antes de ser presidente do Conselho Deliberativo entre 1999 e 2008. Em 2008, foi eleito presidente do clube, e teve dificuldades nos primeiros anos, com o time chegando a lutar contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro. Mesmo sem o total apoio da torcida, foi reeleito em 2011.
O dirigente mudou o rumo da história atleticana ao contratar Ronaldinho Gaúcho e montar um time extremamente competitivo em 2012. Um ano depois, o Galo venceria a Libertadores, e Kalil deixaria o cargo em 2014 como um dos dirigentes mais vitoriosos da história do clube.
A ascensão praticamente triplicou as receitas: de 2008, ano da entrada do cartola, para 2014, a arrecadação saltou de R$ 52 milhões para R$ 179 milhões. A busca pelos títulos e pelo reposicionamento do clube como uma força no futebol brasileiro deixou, entretanto, uma conta cara. Kalil assumiu o Galo com dívida líquida de R$ 265,2 milhões, e o deixou com R$ 487 milhões (descontada a inflação do período, o aumento foi de R$ 128 milhões) --além de um mês de direitos de imagem de jogadores atrasados.
Dirigente falastrão e sem censura
O estilo boquirroto de Kalil gerou, ao lado dos resultados em campo, a combinação que acabou turbinando sua fama pelo país. Enquanto presidiu o Galo, o dirigente distribuiu declarações polêmicas e acusações.
Sobre jogadores que exageravam em saídas noturnas, disse que "se eles tomarem um cacete na madrugada, não vai fazer mal nenhum". Sobre um auditor da Justiça Desportiva, disse "estamos nas mãos desses garotinhos, desses menininhos que brincam no Facebook".
Falou ainda que o Corinthians sabotou as negociações coletivas de clubes com a televisão em troca da Arena em Itaquera: "se me dessem algo assim, eu também detonava a mesa".
Em 2014, o agora prefeito até meme virou, ao cravar em rede social a chegada do atacante francês Nicolas Anelka. "É do Galo", sentenciou. A contratação nunca se concretizou.
O último grande ato do ex-presidente atleticano no futebol foi a organização de um movimento paralelo à CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a Primeira Liga, torneio que teve clubes de Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro e foi realizado longe da batuta da entidade que comanda o futebol brasileiro. Kalil deixou o cargo de CEO da Liga alegando complô de cinco clubes não nomeados.
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Campanha midiática e repleta de polêmicas
A campanha política que culminou na eleição de Kalil em BH foi marcada por acusações: o ex-dirigente doou R$ 2,2 milhões para a própria campanha, valor questionado diante do seu patrimônio total declarado de R$ 2,7 milhões. A justificativa foi de que a quantia é proveniente da venda de um imóvel.
As empresas do novo prefeito também foram alvo. Uma delas, a Erkal, chegou a enfrentar pedido de falência por causa de uma dívida de R$ 88 mil. Há ainda dívidas fiscais e processos trabalhistas.
Mas o maior problema de Kalil durante a campanha foi em um debate promovido pela RedeTV! no último dia 21. O então candidato, ao rebater uma acusação do adversário João Leite (PSDB), acabou se traindo e dando uma declaração curiosa. "Disse que eu roubo. Eu roubo, mas não peço propina em Furnas", bradou diante das câmeras. A gafe fez o ex-presidente atleticano perder alguns pontos nas pesquisas pós-debate, mas não foi suficiente para lhe tirar a vitória na eleição.