Por que líderes evangélicos recusam Marina e podem apoiar Bolsonaro?
Daniela Garcia
Do UOL, em São Paulo
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Dida Sampaio/Estadão Conteúdo e Alan Marques/Folhapress/Arte UOL
Os presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e Marina Silva (Rede)
Questionada sobre qual seria sua opinião sobre a legalização do aborto, a então candidata à Presidência Marina Silva defendeu realizar um plebiscito para tratar da questão. A declaração foi dada durante um debate na TV Record, a uma semana do primeiro turno das eleições de 2010.
"Naquela hora em que a Marina defendeu o plebiscito, o pastor Silas [Malafaia] mandou desmarcar o almoço que tinha combinado com ela no dia seguinte", lembra o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), citando o episódio que levou Malafaia a recuar sobre o apoio à ex-senadora. "Ela agiu como Pilatos. Lavou as mãos. Lavou as mãos das nossas pautas", diz Cavalcante, parlamentar mais próximo ao líder da carioca Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
O posicionamento de Marina sobre aborto e outros temas polêmicos continua sendo um dos principais motivos para líderes das maiores igrejas evangélicas do Brasil negarem apoio à missionária da Assembleia de Deus, que deve disputar neste ano, pela terceira vez, o mais alto cargo do poder Executivo.
Até o momento, Marina Silva é a única pré-candidata evangélica ao Palácio do Planalto. A profissão de fé da porta-voz da Rede, no entanto, não deve credenciá-la como a favorita dos líderes das maiores igrejas do país -- Assembleia de Deus, Igreja Batista e Universal do Reino de Deus.
As principais lideranças evangélicas dizem que ainda é cedo para confirmar o apoio a qualquer presidenciável, mas afirmam que o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) vem abraçando publicamente as bandeiras do grupo.
Apesar de católico, Bolsonaro tem ligação com o eleitorado evangélico e já participou de um batismo no rio Jordão, em Israel, pelas mãos do pastor Everaldo Pereira, presidente do PSC –eles romperam e agora o presidenciável deverá se filiar ao PSL para disputar a Presidência.
Já o pastor Silas Malafaia foi quem presidiu a cerimônia de casamento de Bolsonaro com a atual mulher, Michelle, em 2013. A relação entre eles, entretanto, está estremecida desde que o pastor criticou publicamente o deputado por sair do PSC. Com isso, o apoio do líder religioso e polêmico nas redes e na televisão aberta ainda é incerto.
No discurso de Bolsonaro, os evangélicos se identificam, principalmente, com as críticas à ideologia de gênero, ao casamento gay e à legalização do aborto. "Ele não é evangélico, mas consegue levantar os nossos valores", diz o bispo Robson Rodovalho, líder da igreja evangélica Sara Nossa Terra e presidente da Concepab (Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil).
Marina é "morna", diz deputado da bancada evangélica
Já Marina Silva, avalia Cavalcante, "prefere ir para o politicamente correto". "É morna nos nossos assuntos, já que está em um partido minado de gente de esquerda. O partido fala mais alto do que ela acredita", afirma.
Nas duas últimas eleições presidenciais, a ex-ministra defendeu o plebiscito, mas deixou claro que era contrária à prática do aborto. "Boa parte das pessoas não dizem o que pensam ou em que acreditam para não perder voto. Eu nunca fiz isso e costumo pagar o preço. Eu não defendo o aborto por questões filosóficas, éticas e religiosas", afirmou Marina, em vídeo publicado pela Rede, em dezembro de 2016.
A posição de Marina em relação ao casamento gay também não está precisamente ao lado da bancada evangélica. A ex-senadora defende que a terminologia "casamento" só deve ser usada para homem e mulher. Mas diz que o Estado laico deve garantir as liberdades individuais e permitir a "união civil" entre homossexuais. Já Bolsonaro argumenta que a própria Constituição prevê que a união familiar só pode ser formada por homem e mulher.
A chamada ideologia de gênero, que prega que masculino e feminino são construções sociais, é outro tema que provoca a fúria dos líderes evangélicos. O tema chegou a ser discutido na Câmara dos Deputados e os religiosos tiveram Bolsonaro com um dos aliados para defender que ser heterossexual é natural à humanidade. Marina Silva nunca se manifestou nas redes ou em entrevistas sobre o assunto.
Para Rodovalho, eleitores evangélicos estão em busca de um candidato que defenda valores conservadores e tenha uma visão liberal da economia. "Há um anseio na sociedade por essa linha, e a Marina criou um hiato com os evangélicos que será difícil de ultrapassar", diz.
Procurada pelo UOL, a Igreja Universal do Reino de Deus não quis se manifestar sobre o pleito presidencial deste ano. A congregação, comandada pelo pastor Edir Macedo, não apoiou Marina Silva nas eleições anteriores. Em ambas as disputas, a Universal defendeu a campanha da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
O deputado Paulo Freire (PR-SP), filho do pastor José Wellington Bezerra da Costa da Assembleia de Deus de São Paulo, afirma que o pai se reunirá no próximo mês para discutir com pastores do Estado quem seria o presidenciável preferido pela região. Freire explica que diferentemente da Igreja Católica, a rede evangélica não precisa defender uma única candidatura. "Em 2014, ficou livre para todos os pastores da Assembleia", exemplifica.
O parlamentar evita dizer quem seriam os favoritos do apoio evangélico, mas dá sinais de que Marina não estará entre eles. "Nós tentamos apoiá-la em 2014, mas não foi possível. Alguns princípios não bateram." Segundo ele, os posicionamentos da Rede, não seriam a razão para a Marina "ficar em cima do muro". "Nós temos pessoas [da Assembleia de Deus] que estão no PT, mas defendem os nossos princípios", afirma.
Marina defende Estado laico, diz aliado
Aliado próximo de Marina, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirma que a ex-senadora não usará a religião para alcançar os votos dos evangélicos. Ele lembra que a pré-candidata defende o Estado laico e critica aqueles que "instrumentalizam a fé".
"A Marina é evangélica. Há uma aproximação natural de quem é da denominação dela. Mas acho muito difícil que façamos alianças com partidos com denominação [evangélica]. Vamos fazer alianças programáticas", diz Randolfe.
Segundo o parlamentar, a Rede faz a defesa do Estado laico e alega que as religiões devem estar separadas do Poder político. "'Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus', interpreta o versículo bíblico. "Acho que deveria ser assim. Igreja não é partido. Partido não é igreja", completa.
O senador ironizou a simpatia de líderes evangélicos a Bolsonaro pela defesa de princípios morais. "Acho que discutir qualidades morais é, por exemplo, ser honesto, não utilizar auxílio-moradia tendo casa própria, não empregar assessor fantasma", diz Randolfe, em referência à reportagem do jornal Folha de S.Paulo sobre o emprego de servidora fantasma por Bolsonaro.
Lula e Bolsonaro lideram pesquisa entre evangélicos
Na última pesquisa Datafolha, de dezembro do ano passado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Jair Bolsonaro aparecem como os favoritos entre o eleitorado evangélico, na citação espontânea de preferência de candidato a presidente em 2018. O petista teve 14% das intenções de voto, contra 13% do deputado federal. Como a margem de erro é de dois pontos percentuais, eles estão tecnicamente empatados nas citações espontâneas.
Na pesquisa de declaração espontânea, todos os outros candidatos navegam perto da linha de traço. Marina foi citada apenas por 1% dos entrevistados da denominação evangélica.
Quando apresentados os nomes de todos os possíveis candidatos à corrida eleitoral, a pesquisa aponta outro cenário. Lula lidera com 32% entre os evangélicos, Bolsonaro fica com 22% e Marina registra 12%.
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