Filho de Herzog chama Bolsonaro de "aberração" eleitoral e diz que é fumaça

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

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    Vladimir Herzog, morto em 1975 após uma série de torturas no DOI-Codi

    Vladimir Herzog, morto em 1975 após uma série de torturas no DOI-Codi

As colocações feitas nessa segunda-feira (30) pelo candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) sobre o assassinato do jornalista Vladimir Herzog (1937-1975) e sobre a reabertura de arquivos da ditadura militar (1964-1985) representam um "factoide político" de alguém que não passa de "uma aberração do sistema eleitoral". A avaliação é do engenheiro Ivo Herzog, 51, presidente do conselho do Instituto Vladimir Herzog e filho mais velho do jornalista.

Ivo tinha 9 anos quando o pai foi morto nos porões do DOI-Codi, na zona sul de São Paulo, em outubro de 1975, um dia depois de ter prestado depoimento sobre sua suposta relação com o PCB. O local era então o maior órgão de repressão aos grupos de esquerda contrários ao regime militar.

O presidente do instituto que busca preservar a memória de Herzog falou ao UOL nesta terça-feira (31) sobre declarações feitas ontem à noite pelo deputado federal e capitão da reserva do Exército durante sabatina de jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura –emissora na qual Herzog exercia a função de diretor de jornalismo quando morreu.

Herzog depôs sobre supostas relações com o PCB em 24 de outubro daquele ano e foi dado como morto no dia seguinte. Na ocasião, o governo militar classificara o episódio como suicídio, mas, três anos depois, a própria Justiça reconheceu que ele havia sido torturado e assassinado e condenou o governo brasileiro. Após uma longa batalha judicial e trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil no dia 4 deste mês por negligência na investigação do assassinato do jornalista.

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O diretor do Instituto Vladimir Herzog, o engenheiro Ivo Herzog
Bolsonaro já havia colocado em xeque o assassinato de Herzog e cogitado a hipótese, rejeitada há 40 anos, de suicídio. Após a decisão da Corte Interamericana, o MPF (Ministério Público Federal) anunciou que reabriria a investigação sobre o assassinato.

Indagado no Roda Viva se acreditava que Herzog sofreu tortura, o candidato desconversou e mencionou um caso em que um homem teria aparecido em condições semelhantes à do jornalista após ser preso, em Goiânia, por tráfico de crianças. "Por que para um lado é execução e para o outro não?", questionou. Perguntado sobre a reabertura das investigações pelo MPF, afirmou: "Geralmente esses órgãos têm viés de esquerda".

Na entrevista, o candidato alegou ainda que, se for eleito, não abrirá arquivos da ditadura militar no Brasil. "Deve ficar no passado", afirmou. "Não vou abrir nada. Não tem o que saber", declarou, divergindo nas respostas entre não conhecer a documentação ou não saber se ela ainda existia.

"Negação da história documentada"

Reprodução
A foto do falso suicídio do jornalista Vladimir Herzog
Para o filho de Herzog, as declarações do presidenciável são "uma negação da história documentada". "Fiquei assombrado também com a maneira desrespeitosa com que ele se referiu ao José Gregori, que sempre foi um diplomata", disse Ivo, referindo-se a colocações do candidato de que o ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) era "um terrorista".

Ivo comparou o candidato do PSL a Enéas Carneiro, do Prona, falecido em 2007. Enéas, apesar do discurso enfático e radical, não emplacou para a Presidência.

"Tivemos Enéas e outras aberrações do sistema eleitoral absolutamente insignificantes. Bolsonaro é uma fumaça que veio e está sujando a nossa vida, mas vai passar, o mundo continua. Gregori ajudou a escrever uma parte da história que representa a civilização, não a bestialidade, não essa coisa grotesca. É com a civilização ou com essa outra coisa que queremos estar?", disse. "É um candidato que vem dando respostas objetivas para essa parcela da sociedade que aceita a violência para resolver a violência. Mas para a grande maioria do eleitorado, ele ainda não deu respostas que convençam", afirmou.

"É chocante como, quase na reta final de um processo eleitoral, haja esse nível de despreparo de um sujeito que quer ser presidente do país. Ele não foi capaz de responder a mais de 80% das perguntas", definiu o presidente do instituto. "Bolsonaro é uma aberração desse modelo político e vem se destacando por ser essa figura 'bisonha' e horrível, que, por outro lado, tenho certeza de que é uma fumaça que vai sumir e desaparecer."

Eleitor "quer propostas", diz assessoria de Bolsonaro

Em nota, a assessoria de campanha de Bolsonaro lamentou as colocações de Ivo Herzog. "Uma pena a linha que estão querendo seguir. O eleitor não merecia uma campanha desse nível. Nós não vamos dar ênfase a estas questões. Estamos dispostos a falar com a imprensa, mas uma abordagem onde o eleitor esteja sendo considerado -- e com certeza o que o eleitor quer saber é quais são as propostas dos presidenciáveis pra tirar o Brasil da situação que se encontra", resumiu anota.

Também hoje, em sua primeira manifestação depois de participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, o candidato do PSL à Presidência criticou a insistência no debate sobre a ditadura e escreveu a palavra entre aspas, em tom de ironia. No Twitter, escreveu que "o povo está sofrendo com mais de 14 milhões de desempregados, com mais de 60 mil homicídios por ano, com mais de 50 mil mulheres estupradas" e completou: "É disso que o povo quer saber. Eu vencendo, é daqui pra frente!", encerrou.

Bolsonaro aparece em segundo lugar nas principais pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, atrás apenas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele lidera os cenários em que o petista não é testado.

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