Boris Fausto: Bolsonaro usa estratégia de "fake news" ao distorcer história

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

  • Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo

    Presidenciável Jair Bolsonaro em entrevista ao Roda Viva

    Presidenciável Jair Bolsonaro em entrevista ao Roda Viva

O candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, não só negou o passado do Brasil, como ainda usou os mesmos recursos de quem faz "fake news" ao tecer comentários sobre o comércio de negros escravos trazidos da África para o país a partir do século 16. Essa é a opinião do historiador e cientista político Boris Fausto, que chamou de "balela" a declaração dada pelo deputado federal durante entrevista concedida ao Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira (30).

Na avaliação dele, negar a verdade e distorcer a história são estratégias de Bolsonaro para justificar suas ideias.

"Mais do que ocultação [da história], o que ele faz é a negação do passado. Mas ele também faz a utilização do passado numa forma que interessa a ele. Com um recorte tipo 'fake news', onde não importa a verdade, não tem importância nenhuma, mas a eficácia do que se diz", afirma.

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Durante o programa, o presidenciável disse que "se for ver a história realmente, os portugueses nem pisavam na África, eram os próprios negros que entregavam os escravos", ao responder pergunta relacionada a cotas para negros nas universidades públicas e uma eventual dívida do Brasil com os afrodescendentes.

Simon Plestenjak/UOL
O historiador e cientista político Boris Fausto
Um dos mais notáveis historiadores do país, Boris Fausto disse em entrevista ao UOL nesta quarta-feira (1º) que não entraria nos detalhes históricos desse episódio, recomendando ao leitor que "quiser se informar mais detalhadamente pela via da palavra escrita" a leitura do artigo assinado pela historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, publicado hoje na Folha de S. Paulo.

Mas ele afirma que dizer que os portugueses não estiveram no interior da África e não foram figuras centrais na comercialização de escravos "é uma bobagem que ninguém com o mínimo de informação repete".

E questiona: "qual é a intenção dessa falsidade?".

O que ele [Bolsonaro] quer dizer com isso é que quando o passado me incomoda, então eu esqueço o passado
Boris Fausto, historiador e cientista político

Para Fausto, a intenção clara do deputado federal é negar as contradições e fortalecer o discurso de que elas são inventadas pela esquerda. "Eu não estou defendendo as posições da esquerda de jeito nenhum, esse é um assunto que fica para outra conversa. Mas o propósito é esse, é dizer que não temos problemas dessa natureza no país", afirma.

Segundo os últimos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 46,7% da população brasileira se declara parda e 8,2%, preta. "Uma pessoa negra não pode votar num candidato que diga essas coisas, que ofenda os negros com essa história de que a escravidão não é responsabilidade de ninguém", diz Fausto.

Para o historiador, ao dizer "nunca escravizei ninguém", ao individualizar a questão racial no Brasil, Bolsonaro "desmoraliza uma questão tão séria" que é a dívida histórica que o Brasil, "enquanto nação", tem com os negros.

"É claro que ele não tem dívida, ele nasceu muito depois da emancipação dos escravos, assim como eu, filho de imigrantes, não tenho nenhuma dívida. Com isso ele mais uma vez oculta uma coisa séria: devemos de todas as formas viáveis, razoáveis, resgatar na medida do possível essa dívida histórica que o Brasil, enquanto nação, tem para com os negros e para com as vítimas da escravidão", acredita.

"Reconstrução do passado ajuda discurso de Bolsonaro"

Na avaliação de Boris Fausto, Jair Bolsonaro também usa estratégia de desvirtuar o passado "em favor de uma postura no presente" quando fala sobre a ditadura militar. Durante o Roda Viva, ele negou a existência de tortura sistemática praticada pelo Estado durante o regime, afirmou que não houve golpe em 1964, sugeriu que os órgãos que reabriram as investigações sobre tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog "têm viés de esquerda" e disse que os documentos das Forças Armadas sobre aquele período "sumiram

"As duas coisas têm o mesmo objetivo: a ocultação de um passado que não interessa ao candidato", diz. Não interessa, segundo ele, porque Bolsonaro fala a um público que absorveu uma imagem construída sobre o que foi a ditadura militar brasileira, que não são os "saudosistas reais da ditadura".

"Como o tempo já passou, já passaram se muitos anos, os saudosistas propriamente, no sentido literal, não são muitos porque os mortos não têm saudade", afirma.

Ele diz que os políticos pós-redemocratização são os culpados por esse público ter surgido. "O que se fez pós-redemocratização incluiu muitos avanços, sociais, políticos, inclusive econômicos, mas incluiu também uma desmoralização política, a corrupção de lideranças de uma maneira como não se tinha visto nunca na história desse país. Então o que você tem? Você tem essa reinvenção do passado", explica. 

A reconstrução do passado conta a favor dos defensores do golpe militar e isso vem ajudar o discurso do Bolsonaro
Boris Fausto

Se Bolsonaro vencer, autoritarismo se instauraria no governo

Boris Fausto diz acreditar que a adesão ao discurso de Bolsonaro por parte dos eleitores é de "extrema gravidade" e que pode instaurar um governo de cunho autoritário caso o candidato do PSL vença as eleições.

Jair Bolsonaro aparece em segundo lugar nas principais pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, atrás apenas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso e provavelmente inelegível. Ele lidera os cenários em que o petista não é testado.

"O mais grave é que com isso ele vai ganhando muitos adeptos de uma solução não democrática, mas pior do que isso, ele vai ganhando muito e muitos adeptos para uma situação autoritária de extrema gravidade que se instauraria com a vitória dele na sucessão presidencial", diz.

Para o historiador, a informação de que o livro de cabeceira do candidato do PSL é "A Verdade Sufocada", do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, é mais uma estratégia de Bolsonaro de falar ao seu público. "Ustra foi reconhecido como torturador não na batalha ideológica, foi reconhecido como torturador por uma decisão da Justiça. Se trata do reconhecimento notório [de Bolsonaro e apoiadores] de que a tortura foi positiva e que essa pessoa [Ustra] merece todos esses elogios". 

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