"Feitiço voltou contra o feiticeiro", diz Romano sobre atentado a Bolsonaro

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

  • Reprodução

    Bolsonaro durante ato de campanha no Acre

    Bolsonaro durante ato de campanha no Acre

O professor de filosofia e ética Roberto Romano, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), afirmou nesta sexta-feira (7) ao UOL que o atentado contra Jair Bolsonaro (PSL) é consequência do discurso adotado pelo próprio presidenciável a favor de ações duras no campo da defesa e da segurança pública.

"Bolsonaro vem pregando sistematicamente as respostas de força e de violência. Esquecendo-se de que, numa democracia, as questões espinhosas não se resolvem na base do porrete, mas da política", frisou.

"Se você prega a violência e recusa os direitos humanos, como ele vinha fazendo; se num Estado os direitos são negados, então ninguém tem direito, incluindo aqueles que pregam o uso da força. O feitiço virou contra o feiticeiro."

Para Romano, "Bolsonaro integra o problema, não é exterior a ele".

O professor cita, como exemplo, recente ato de campanha de Bolsonaro no Acre, no último dia 1º de setembro, quando empunhou um tripé e simulou estar em posse de um fuzil, atirando: "Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein? Vamos botar esses picaretas para correr do Acre".

O Acre é governado pelo PT desde 1999 e o governador atual é o petista Tião Viana.

São conhecidas também as propostas do candidato pela facilitação da venda de armas para o cidadão comum e emprego livre da força pelas corporações policiais do Estado.

"Bolsonaro não é Luther King"

O professor da Unicamp rejeitou comparações do atentado contra o capitão reformado do Exército e deputado federal desde 1991 com casos de grande comoção internacional, como os assassinatos de John Fitzgerald Kennedy (presidente dos Estados Unidos, morto no dia 22 de novembro de 1963, em Dallas, no Texas) e de Martin Luther King (militante dos direitos civis dos negros norte-americanos e pastor protestante, assassinado no dia 4 de abril de 1968, em Memphis, no Tennessee).

Não se pode dizer de Bolsonaro o que se fala de Kennedy ou de Luther King. Luther King pregava exatamente a paz e rompeu com os radicais que o apoiavam
Roberto Romano, filósofo

Romano lembra de que, em ciência política, a partir do pensamento de Thomas Hobbes (1588-1679), autor de "Leviatã", instaura-se a autoridade pública para evitar a guerra de todos contra todos, conformada na constituição do Estado e suas instituições de gestão e de controle.

"Se você prega a prática da guerra de todos contra todos, nega o Estado e está transformando os projetos de uma parte da população em absolutos. Joga-se fora o diálogo, como faz Bolsonaro", explica o filósofo.

Ele afirma que, na crise geral do mundo contemporâneo, com as movimentações intransigentes do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, entre outras, o "defeito" da negação do Estado como mediador e instituição de árbitro dos conflitos "está envenenando a democracia".

"Estamos regredindo a meados do século 20, quando um partido acreditava ter a grande verdade, os outros estavam todos errados e deviam ser eliminados. Vivemos agora a mesma crise que levou ao totalitarismo tempos atrás."

"Direita aproveitou e ocupou espaços"

Com o foco especificamente na crise do Brasil, Romano nota que houve, nos anos recentes, quebra acentuada dos setores liberais, incluindo a esquerda, e o setor da direita se aproveitou e ampliou seu espaço e força.

"Em política, não existe vácuo de poder nem de política. Se você não preenche alguns espaços, outros preenchem. Os setores democráticos não preencheram certos espaços e Bolsonaro os ocupou."

Hesitação dos setores mais à esquerda pode ser fatal

Roberto Romano, filósofo

Na visão do professor, a situação de agora é crítica, pois a falta de reação adequada ao atentado contra Bolsonaro, em si, poderá vir a ser "fatal" para o futuro político de muitos, com a esquerda na frente.

"PT, PSOL, PCdoB e outros partidos da esquerda somente se solidarizaram [com Bolsonaro] e protestaram contra a violência [sofrida por ele]. Mas não disseram que Bolsonaro é parte do problema. A hesitação dos setores mais à esquerda pode ser fatal." 

Veja como foi o ataque a Bolsonaro em MG

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