Desmatadores doam R$ 11,2 mi a 178 candidatos; presidenciável entre eles

Najla Passos e Reinaldo Chaves

Da Repórter Brasil

  • Vinícius Mendonça/Ibama

    Operação do Ibama flagra desmatamento na Floresta Nacional do Jamanxim, onde a Câmara dos Deputados votou para reduzir a área de proteção (29.jan.2018)

    Operação do Ibama flagra desmatamento na Floresta Nacional do Jamanxim, onde a Câmara dos Deputados votou para reduzir a área de proteção (29.jan.2018)

Doadores que foram multados pelo Ibama por infrações ambientais financiaram com R$ 11,2 milhões campanhas de pelo menos 178 candidatos nestas eleições. Entre os financiados por desmatadores, estão o presidenciável Álvaro Dias (Podemos) e 15 candidatos ao governo – alguns deles lideram as intenções de votos em seus estados, como Antônio Anastasia (PSDB) e Fernando Pimentel (PT), em Minas Gerais, Ronaldo Caiado (DEM), em Goiás, e Ratinho Júnior (PSD), no Paraná. 

O levantamento foi feito pelo Ruralômetro, ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil, e considerou os doadores oficiais que constavam no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até o dia 1º de outubro. A relação foi cruzada com todas as pessoas físicas que constam na lista de embargados pelo Ibama por terem cometido infrações ambientais, como desmatar florestas, impedir a regeneração da vegetação e cortar árvores sem prévia licença ambiental, entre outros. 

Dos candidatos ao Senado que estão entre os financiados por desmatadores, destacam-se Renan Calheiros (MDB-AL), Cristovam Buarque (PPS-DF), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Irajá Abreu (PSD-TO) – filho de Kátia Abreu, candidata à vice-presidente na chapa com Ciro Gomes (PDT). Entre os deputados federais candidatos à reeleição, está Luiz Nishimori (PR-PR), que ganhou projeção como relator do projeto de lei que facilita a liberação de agrotóxicos.

Os R$ 11,2 milhões doados até agora por desmatadores foram distribuídos para 31 dos 35 partidos políticos brasileiros. A legenda que lidera neste recebimento é o Solidariedade (SD), com R$ 2,7 milhões, seguido pelo PSD, com R$ 1,7 milhão. Em terceiro lugar está o PSL – partido do candidato líder nas pesquisas à Presidência da República, Jair Bolsonaro –, que já arrecadou R$ 1,6 milhão de infratores ambientais. Em quarto consta o PSDB, com R$ 1,4 milhão.

Dos candidatos à presidência, Álvaro Dias é o único na lista. O presidenciável recebeu R$ 50 mil de Gilson Mueller Berneck, fazendeiro que foi multado em 2008 por destruir florestas na Fazenda Santa Efigênia, em Juara, Mato Grosso.

Adriana Spaca/FramePhoto/Folhapress
O presidenciável Álvaro Dias (Podemos), participa de debate na TV Record

Em seu programa de governo, Dias afirma que "o meio ambiente não pode ser negligenciado e desenvolvimentos tecnológicos devem ser utilizados para a sua preservação."

O senador informou, em nota, que "não conhece ou tem relação pessoal com o doador de campanha mencionado pela reportagem" e afirmou que "não há qualquer impedimento legal para a doação mencionada, uma vez que a mesma foi devidamente registrada junto ao TSE e cumpre a legislação eleitoral".

No entanto, Dias esteve reunido com Berneck em 19 de outubro de 2011, de acordo com a Federação das Indústrias do Paraná, para discutirem o novo código florestal e as reformas tributária, trabalhista e fiscal. Questionado sobre o encontro, o candidato à presidência voltou a informar que "não conhece ou tem relação com o doador mencionado".

Fábio Nascimento/Greenpeace
Trator derruba árvores na Fazenda Santa Ifigênia, em Juara, no Mato Grosso (9.jun.2015)

Questionado pela reportagem, Berneck afirmou que adotou critérios pessoais para definir a quem doar. "Todas as doações eleitorais que fiz ocorreram dentro da lei e foram efetivadas dentro das minhas preferências e convicções particulares", disse.

Disputa ao governo 

Dos candidatos ao governo estadual que receberam doações de desmatadores com valor acima de R$ 50 mil, estão os mineiros Antonio Anastasia (R$ 105 mil)e Fernando Pimentel (R$ 100 mil), o brasiliense Rogério Rosso (R$ 789 mil), o mato-grossense Pedro Taques (R$ 125 mil), o goiano Ronaldo Caiado (R$ 50,5 mil) e o paranaense Ratinho Júnior (R$ 50 mil).

Ronaldo Caiado/Facebook/Divulgação
O senador Ronaldo Caiado (DEM) durante evento de campanha: ele concorre ao governo de Goiás nestas eleições

Procurado pela Repórter Brasil, Caiado afirmou que "todas as regras eleitorais estão sendo rigorosamente cumpridas". Anastasia disse, por meio da sua assessoria, que não iria responder aos questionamentos da reportagem por julgar que eles deveriam ser feitos aos doadores.

 Todas as regras eleitorais estão sendo rigorosamente cumpridas"

Ronaldo Caiado (DEM), candidato ao governo de Goiás

Já Pedro Taques destacou que, como ex-procurador da República e defensor dos dispositivos constitucionais, não pode condenar um potencial doador sem que esteja concluído o devido processo legal resultante da autuação. Afirmou ainda que, no Ministério Público, no Senado e no governo de Mato Grosso, sempre atuou para combater o trabalho escravo e os crimes ambientais. "Não compactuamos, não compactuaremos com ilícitos e seguiremos agindo com independência e obediência às leis", disse (leia abaixo íntegra das respostas).

Cristiane Mattos/O Tempo/Estadão Conteúdo
O candidato do PSDB ao governo de MG, Antonio Anastasia, foi um dos que receberam doações de desmatadores

Procurados Rosso, Ratinho Júnior e Fernando Pimentel não responderam.

Eucaliptos e agrotóxicos 

Além de Renan Calheiros, outra liderança beneficiada por doações de desmatadores é o deputado federal Luis Carlos Heinze, que agora disputa uma vaga no Senado. Proprietário de uma fazenda multada pelo Ibama por ter cometido sete infrações ambientais, Heinze recebeu R$ 25 mil de Carlos Ernesto Augustin, também multado por desmatar e destruir florestas em sua propriedade no município de Alto Garças (MT).

Não compactuamos, não compactuaremos com ilícitos e seguiremos agindo com independência e obediência às leis"

Pedro Taques (PSDB), governador de MT candidato à reeleição 

Deputado federal em seu quinto mandato, Heinze teve papel de destaque na aprovação do novo Código Ambiental, que reduziu as áreas de reserva legal em 2012. Na campanha de 2014, arrecadou R$ 548 mil de empresas autuadas pelo Ibama, segundo dados cruzados pelo Ruralômetro. Na atual legislatura, atuou para suspender demarcações de terras quilombolas e retirar a posse de terras indígenas da etnia Kaingang.

Pedro Ladeira/Folhapress
Integrantes da etnia Kaingang, do RS, protestam em Brasília pela demarcação de terras indígenas do grupo (25.mai.2015)

Em sua defesa, o candidato afirmou que doações de desmatadores na eleição passada não influenciaram sua atuação como parlamentar. Disse ainda que todas as doações recebidas neste ano estão em conformidade com a legislação vigente e destacou que em uma "campanha tão curta como esta", "não há como solicitar certidões negativas aos doadores".

O ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, não foi encontrado pela reportagem.

Considerado o deputado federal campeão de desmatamento, Irajá Abreu doou à sua própria campanha o valor de R$ 14 mil. Atualmente na disputa por uma vaga ao Senado, o filho de Kátia Abreu foi multado em R$ 120 mil pelo Ibama por desmatar vegetação de preservação permanente em área equivalente a 75 campos de futebol.

Reprodução/Instagram
O deputado federal Irajá Abreu (PSD-TO), filho da senadora Kátia Abreu (PDT-TO), é o deputado que mais desmatou no Brasil

Irajá Abreu não respondeu à solicitação de entrevista, assim como Cristovam Buarque.

Conhecido por ter sido o relator do Projeto de Lei 6299/2002, que amplia a liberação do uso de agrotóxicos no país, o deputado federal Luiz Nishimori (PR-PR) concorre à reeleição com um reforço no caixa de R$ 100 mil doados por empresários desmatadores do Grupo Horita – conglomerado que detém 150 mil hectares de terras no oeste da Bahia, em unidades destinadas à produção de soja, milho e algodão.

Nishimori não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.

Desmatadores com autofinanciamento 

No topo do ranking dos candidatos financiados por desmatadores, há dois iniciantes da corrida eleitoral: o empresário da indústria farmacêutica Fernando Marques (SD-DF) e o pecuarista e empresário Jayme Bagattoli (PSL-RO). São os que mais receberam dinheiro dos infratores e, ao mesmo tempo, os que mais doaram. Ambos disputam vagas no Senado.

Não há como solicitar certidões negativas aos doadores"

Luis Carlos Heinze (PP-RS), deputado federal candidato ao Senado

Fernando Marques é o candidato mais rico destas eleições, com patrimônio de R$ 667 milhões, segundo declaração ao TSE. Ele é o presidente da União Química, uma das maiores farmacêuticas do país, e diretor-presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais. 

Ze Carlos Barretta -6.set.2013/Folhapress
Fernando Marques (SD-DF), presidente da União Química, é o candidato mais rico destas eleições: R$ 667 milhões de patrimônio declarado ao TSE

A maior parte de sua fortuna vem da participação em capitais de empresas, mas também possui propriedades rurais e urbanas. Foi autuado pelo Ibama em 2009, por "impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa", no município de Mineiros, em Goiás.

Jayme Bagattoli é empresário e pecuarista ligado ao Grupo Bagattoli, um conglomerado de fazendas, madeireiras, empresas de transporte e combustível, com sede em Vilhena, em Rondônia. Foi autuado pelo Ibama por irregularidades ambientais em região de intensos conflitos agrários entre fazendeiros, camponeses e indígenas.

Para se lançar no mundo da política, desembolsou, até o momento, a quantia de R$ 1,45 milhão. No ranking dos candidatos que mais investiram nas suas próprias campanhas, ocupa a 15ª posição.

Marques e Bagattoli não responderam aos pedidos de entrevista.

O número de candidatos que recebem esses recursos pode aumentar, já que podem receber doações até o dia da eleição e têm até 72 horas para declará-las.

Íntegra das respostas 

Resposta do candidato ao Senado Luis Carlos Heinze

Sempre desempenhei um trabalho sério e comprometido com meus eleitores, estado e país. Durante uma campanha eleitoral e tão curta como esta que estamos vivenciando, não há como solicitar certidões negativas aos doadores, se possuem ou não multas ou se praticaram algum outro crime. As doações são legais conforme prevê a legislação vigente. Além disso, meu trabalho na questão ambiental não é de hoje. Me elegi, já para meu primeiro mandato, com o objetivo de conciliar a preservação ambiental com a necessária produção de alimentos e a geração de empregos.

Nunca trabalhei para reverter multas tampouco legislei em defesa de empresas. Minha atuação é pelos brasileiros, para dar ao país condições de crescimento e desenvolvimento econômico. Minhas ações para reformular o injusto Código Florestal não começaram em 2014. A luta para reverter a insustentabilidade econômica do país teve início há quase 20 anos. Inspirado pelo discurso de ONGs estrangeiras, o governo pretendia promover o desemprego de 20% a 40% dos brasileiros.Só nas regiões Sul e Sudeste seriam confiscados mais de 17 milhões de hectares de terras produtivas a título de reserva legal. Um absurdo sem tamanho e totalmente fora do contexto mundial contemporâneo. Hoje temos a mais avançada lei ambiental do planeta e, no Senado, manterei essa mesma atuação, independente de doações para campanha.

Resposta do candidato ao governo de Goiás, Ronaldo Caiado

Todos os doadores estão registrados no site do TRE-GO, com nome, CPF e valor.

As doações estão sendo feitas de acordo com a legislação eleitoral e por pessoas que acreditam na necessidade de mudança em Goiás e então se dispõem a ajudar a campanha também financeiramente. Todas as regras eleitorais estão sendo rigorosamente cumpridas, como se pode observar do site do TRE-GO.

Resposta do candidato ao governo de Mato Grosso, Pedro Taques 

Conforme a própria pergunta, os doadores da nossa campanha foram autuados pelos supostos crimes. Autuação é o ato inicial pelo qual se começa um processo judicial ou administrativo. Sendo ex-procurador da República e defensor dos dispositivos constitucionais, não posso condenar quem quer que seja antes de exercido o devido processo legal, que inclui o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Também no Ministério Público, tive a oportunidade de atuar firmemente combatendo o trabalho escravo e os crimes ambientais. No Congresso Nacional, como Senador da República, trabalhei nas duas causas, inclusive na discussão e aprovação do Novo Código Florestal.

No Governo de Mato Grosso também atuamos para combater os crimes contra as nossas florestas, para garantir o desenvolvimento do nosso Estado com sustentabilidade e inclusão social e, também, para assegurar aos trabalhadores condições dignas de trabalho. Não compactuamos, não compactuaremos com ilícitos e seguiremos agindo com independência e obediência às leis.

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