Indicado como ministro por Bolsonaro tinha supersalário com verba pública

Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio

  • Sergio Lima/Folhapress

    General Augusto Heleno recebia um salário de R$ 59 mil no COB, parte paga com recursos públicos

    General Augusto Heleno recebia um salário de R$ 59 mil no COB, parte paga com recursos públicos

Escolhido para o Ministério da Defesa caso o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) ganhe as eleições, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira recebia um salário de R$ 59 mil no COB (Comitê Olímpico do Brasil) até o ano passado, sendo que 80% deste valor (R$ 47 mil) era pago com recursos públicos.

Segundo a legislação brasileira, o teto constitucional para funcionários públicos é de R$ 33,9 mil, salário dos ministros do Supremo Federal Tribunal, e é usado como referência para vencimentos bancados com verba pública. O general afirma que seu salário era legal e pago por entidade privada, e o COB diz que o teto não se aplicava ao dirigente.

Heleno é uma das figuras-chave da campanha de Bolsonaro e foi até cogitado para ser seu vice – tão importante que foi um dos três ministros já escolhidos em caso de vitória do candidato do PSL.

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O general Heleno foi para a reserva do Exército em maio de 2011. Em agosto daquele ano, foi contratado pelo COB para ser diretor de comunicação, cultural e do Instituto Olímpico. O comitê era presidido por Carlos Arthur Nuzman que deixou o cargo por acusação de corrupção em 2017. Pouco depois dessa saída, em novembro de 2017, Heleno pediu demissão – segundo ele, a saída não guarda relação com o episódio.

Questionado pelo UOL, o general afirmou que era contratado de uma empresa privada e ignorava a origem dos recursos do seu salário. "Fui contratado por uma empresa privada. Por que eu tinha obrigação de saber de onde vinha o dinheiro?", argumentou.

Como o COB é financiado

O COB é financiado em sua maior parte por dinheiro público. São recursos da Lei Agnelo/Piva que lhe garantem um repasse de 1,7% das loterias federais. Apesar de receber dinheiro público, o comitê não revelava os valores dos salários de seus diretores. Em 2015, o COB foi obrigado a publicar os valores dos salários de seus dirigentes que tinham teto máximo de R$ 37 mil, valor que era recebido por Heleno e estava acima do teto do STF. Em 2017, a ESPN, baseada em planilhas do comitê, publicou o salário dos executivos.

Acervo COB
Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do do COB

Foi só em 2018 que o COB, em nova gestão, passou a revelar quanto de dinheiro público era usado para pagar os salários. Após a saída de Nuzman, afastado após acusação de comprar votos para a Olimpíada do Rio-2016, o COB teve que adotar medidas de transparências e disponibilizou os salários discriminados pela origem dos recursos. Em sua página, informa que o general Heleno ganhava R$ 59 mil mensais até outubro de 2017, sendo R$ 47.024,00 pagos com recursos da Lei Agnelo/Piva, isto é, públicos. O restante era de origem privada, isto é, resultante de patrocínios fechados pelo próprio comitê e do COI (Comitê Olímpico Internacional).

Ao deixar o comitê em novembro de 2017, após pedir demissão, o general levou R$ 145 mil em verbas rescisórias pagas com dinheiro público.

Legislação e teto

Pela Lei 9.615/1998, entidades privadas que recebem dinheiro público têm que pagar salários até o valor de 70% do teto constitucional do poder executivo. Como o teto era de R$ 33,9 mil em 2017, o limite seria de R$ 23 mil.

Em decisão de dezembro de 2016, o TCU (Tribunal de Contas da União) constatou que o COB vinha pagando valores acima desse limite e mandou que fossem revistos. O comitê alegou que os recursos da Lei Agnelo/Piva não eram públicos porque eram dinheiro dos apostadores repassados, o que foi rejeitado pelo tribunal. A decisão do TCU abriu brecha apenas para pagamento acima do teto para técnicos de esportes "com conhecimento específico", o que não incluía dirigentes.

Mas o COB ainda alegou que pagava valores de mercado e recorreu ao TCU para tentar derrubar a limitação. Com isso, o tribunal informou que a determinação de limitar os salários dos dirigentes ficaria suspensa até a o julgamento do recurso, o que ainda não aconteceu após quase dois anos. Com isso, o comitê continuou a pagar acima do teto constitucional para os seus dirigentes.

O general Heleno era diretor cultural, de comunicação e do Instituto Olímpico, atuando na formação de gestores e técnicos, portanto, não diretamente na preparação esportiva. Ou seja, não se enquadrava na exceção prevista pelo tribunal para técnicos de seleção. Mas graças ao recurso do COB no tribunal, manteve-se ganhando acima do teto.

O UOL ouviu dois advogados sobre o assunto. Especialista em direito administrativo, Maurício Zockun afirmou que não há teto para empresa privada mesmo com subvenção pública. "Mas pode existir uma limitação pelo convênio. Se recebe esta verba, tem que seguir determinadas regras", disse Zockun.

Já o especialista em direito público José Gerônimo Nogueira de Lima entende que há, sim, uma vedação. "Se é dependente do erário, a organização não poderia pagar salário acima do teto. Mas só se for dependente dos recursos públicos", afirmou. É o caso do COB.

Outro lado

Segundo o COB, a limitação do teto valia apenas para diretores estatutários e não para membros da diretoria executiva. "Augusto Heleno não era dirigente eleito, e sim Diretor Executivo, com remuneração compatível com o mercado", afirmou a entidade. O comitê afirma que não houve nenhuma irregularidade e, por isso, nenhum dinheiro foi devolvido. O TCU não abriu procedimento para recuperar o dinheiro.

Já o general Heleno, inicialmente, afirmou desconhecer que seu dinheiro era pago com recursos públicos. Depois, explicou que os pagamentos eram regulares e considera que era remunerado honestamente por seu trabalho. Em seguida, deu explicações detalhadas:

"Fui me informar sobre isso. O COB era frequentemente inspecionado por isso. O TCU chegou à conclusão de que era o normal de acordo com o mercado. Nunca cobraram de volta o dinheiro. Eles (TCU) acataram a argumentação do COB. O TCU chegou a essa conclusão. Vocês estão fuçando em algo que não tem nada errado", afirmou Heleno.

Em seguida, ele disse que o COB era uma empresa privada: "Não sou funcionário público". E contestou o teor da matéria afirmando que, se era para prejudicá-lo, isso não aconteceria. "Passou anos assim e o TCU fez uma série de planilhas comparando os salários. E eram salários de mercado", disse.

O general chegou a questionar se os repasses da Lei Agnelo Piva eram públicos. Há um entendimento consolidado no TCU de que repasse de dinheiro da loteria é público. "Lei Agnelo Piva tem uma discussão se é dinheiro público. Recebia o salário que me pagavam honestamente pelo trabalho que eu fazia. Eu fazia o trabalho de três diretores", contou.

Ainda acrescentou que sua saída não teve relação com a prisão do ex-presidente do COB Nuzman, acusado de comprar votos para a eleição da Olimpíada do Rio-2016. Ele pediu demissão pouco após a saída do dirigente por renúncia. "Já tinha pedido para sair porque tinha cumprido minha missão por lá", contou. Ressalte-se que Heleno não teve nenhum envolvimento com o caso de corrupção no comitê.

Em depoimento na Justiça Federal, em agosto de 2018, o ex-presidente do COB Carlos Arthur Nuzman negou ter participado de qualquer esquema de compra de votos para a candidatura do Rio à Olimpíada.

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